A Netflix anunciou para este 10 de abril a entrada de alguns clássicos em seu catálogo. Talvez para driblar o crescimento de outras plataformas de streaming que capricham um pouco mais nesse quesito, como o Telecine e o À la carte do Belas Artes.
Uma dessas atrações, e talvez a melhor delas, é “Tubarão”, sobre o qual já muito se escreveu. Trata-se de um longa de 1975 que consolida o nome de Steven Spielberg como potencial atrativo para grandes bilheterias, o que se confirmaria definitivamente com “Os Caçadores da Arca Perdida” (1981) e “E.T.” (1982).
Longa que ressurge de tempos em tempos na TV paga, que já saiu em diversos formatos de mídia física e está no imaginário de qualquer pessoa que tenha visto meia dúzia de filmes, “Tubarão” vem bem a calhar nestes dias em que muitos desprezam as ameaças de morte sob uma preocupação excessiva com a economia.
O animal sanguinário do filme de Spielberg faz muito mais vítimas do que seria aceitável justamente porque algumas autoridades recusam-se a ouvir os especialistas e não fecham suas áreas de veraneio para não perder o valioso dinheirinho dos turistas.
O tubarão, como o vírus atual que nos inferniza, adora esses bufões que tendem a diminuir o problema para não ter seus bolsos (ou governos) afetados. É necessário uma junta de corajosos que vão lutar contra esse animal bestial em alto mar, sabendo que podem não sobreviver ao confronto.
É também uma maneira de dizer que o turismo, já em 1975, era predatório, e em nome dele sacrifica-se vidas e a natureza. Tudo é dinheiro, Spielberg sabia muito bem, até se descobrir vítima dessa mesma engrenagem. Se é que se descobriu.
Não é o melhor Spielberg, como alguns defendem. A “Tubarão” prefiro o longa seguinte, “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” (1977), ou seu primeiro longa, o telefilme “Encurralado” (1971). Ou ainda o terceiro longa da série mais famosa de sua carreira: “Indiana Jones e a Última Cruzada” (1989), no qual fica melhor resolvida a questão da ausência do pai. Mas “Tubarão” mostra, em quase todas as sequências, que há um diretor talentoso por trás da câmera.
A Netflix disponibiliza também as três continuações, já sem a assinatura de Spielberg. São plenamente esquecíveis, quando não constrangedoras. Mostram que o longa original apontou dois caminhos para o cinema americano a partir de então: o chamado “high concept”, ou seja, o filme que se vende junto de um esquema promocional que envolve bonecos de tubarão, trilha sonora e publicidade massacrante; e as continuações, que se tornarão fórmulas desgastadas na década seguinte.
Ainda assim, é um filme que resiste a inúmeras revisões e mostra o talento de um diretor, antes de chafurdar na tentativa de ser sério e profundo – o que até rendeu algumas belas obras, após um tempo, mas tornou sua carreira bem irregular.
* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema