A HBO é um canal de TV, em primeiro lugar. Por isso suas séries não seguem a lógica de exibição da Netflix ou da Amazon Prime, ou seja, com todos os episódios já disponíveis possibilitando ao espectador uma maratona. Este, mal acostumado, precisa esperar uma semana pelo próximo episódio, numa relação curiosa principalmente para quem começou a seguir séries nos últimos quatro ou cinco anos.

Só que esse mesmo canal é conhecido por inovar e por tratar o espectador como adulto enquanto os outros ainda estavam na era das sitcoms. A Família Soprano, nesse sentido, é uma revolução, pois aproximou definitivamente o universo das séries televisivas do universo cinematográfico, dando margem à velha máxima de que as séries americanas substituíram os filmes americanos na preferência do público, o que não deixa de ser parcialmente verdadeiro.

Euphoria, criada por Sam Levinson, representa algo mais nesse sentido. Abundam na série diálogos pesados, imagens de membros masculinos eretos, nudez e cenas de sexo um tanto quentes para o padrão televisivo dominante. Rue, a protagonista vivida por Zendaya, tem sérios problemas com drogas, e se apaixona por uma transsexual chamada Jules (Hunter Schafer). Ambas precisam lidar com o preconceito da sociedade, com as amigas em fase de descobertas e preconceitos – sobretudo Cassie (Sidney Sweeney), vista por todos os homens como um objeto sexual. Há ainda um autêntico vilão chamado Nate (Jacob Elordi), e um traficante do bem chamado Fez (Angus Cloud), importante nos primeiros episódios.

A série fala de jovens que estão na última fase da adolescência e normalmente se perdem entre as relações de poder propiciadas e provocadas pelo sexo e as relações de dependências com vários tipos de drogas. É precisamente o universo de Larry Clark, diretor dos longas Kids e Ken Park, entre outros. Mas Sam Levinson não apela para o sensacionalismo como Larry Clark, nem faz julgamentos morais, a não ser em alguns poucos momentos, desnecessários mas compreensíveis em meio a quase oito horas de narrativa (contando todos os episódios).

Sua direção também é melhor, o que é perceptível nos cinco episódios em que a assina, sobretudo no quarto, em que a câmera passeia por um parque de diversões como se estivesse num filme de Vincente Minnelli (rei dos planos longos e dos movimentos de câmera). Não por acaso, no início desse episódio o garoto Jules (que depois de transforma na bela Jules) vê com seu pai Deus Sabe Quanto Amei (1958), obra-prima de Minnelli. Em outro momento, na sala de espelhos, a referência óbvia é A Dama de Shangai (1948), do grande Orson Welles.

Essa reverência com o cinema clássico americano fortalece a trama contemporânea ao invés de enfraquecê-la. Levinson sabe que a melhor maneira de construir um futuro melhor é conhecer melhor o passado, e por isso bebe com propriedade na fonte dos grandes do cinema americano. Ao mesmo tempo, o vai e vem da narrativa, que passeia por diversos momentos da vida dos personagens, exige uma concentração que distancia a série do equilíbrio clássico e adere a uma estética que remete ao conceito de modernidade líquida defendido pelo filósofo Zygmunt Bauman.

O fato é que esse quarto episódio (assim como o clipe com a versão de Bobby Womack para “Fly me to the Moon” no segundo episódio) é um tanto fora da curva. Faz com que uma boa série tenha esse momento mágico que a engrandece. Depois ela volta ao normal. Ainda assim, é facilmente recomendável.

Sérgio Alpendre