Não é fácil encontrar pérolas escondidas no Netflix. Até há pérolas (Imagem e Palavra, do Godard, por exemplo, entre outras), e existem filmes escondidos. O difícil é encontrar um título que une esses dois elementos, que seja pérola e esteja escondida.

Mas eis que um longa de 1991, que está no catálogo há mais de dois anos, pelo menos, e que em 2017 teve uma reestreia na Inglaterra, com toda a pompa que merece, pode ainda ser visto pelo usuário. 

Trata-se de Daughter of the Dust (a Netflix disponibiliza assim, sem a tradução, que seria “Filhas do Pó”). Fala da diáspora e do racismo fundador da América. É o primeiro longa dirigido por Julie Dash, uma das mais importantes realizadoras de cinema, que felizmente se tornou mais conhecida na Europa e nos Estados Unidos nos últimos anos. Infelizmente, aqui, continua sendo largamente desconhecida.

A reestreia fez parte de uma programação dedicada a mulheres negras na tela, com trabalhos de várias diretoras negras e matéria espetacular na revista Sight and Sound (dá para ver, em inglês, a lista que eles fizeram).

Julie Dash fazia parte do sensacional movimento de cinema negro chamado L.A. Rebellion, um cinema que, como escrevi na Folha, só não ficou amplamente conhecido por causa do racismo que vigora também no mundo do cinema. Por trás dessa rebelião de Los Angeles estão cineastas como Charles Burnett e Haile Gerima, autores de alguns dos maiores filmes do cinema americano. Matador de Ovelhas, de Burnett, e Bush Mama, de Gerima, são, sem exagero, melhores que o melhor filme do ótimo Spike Lee, para dar uma noção do valor desses cineastas e do movimento.

Daughters of the Dust estreou quando a L.A. Rebellion já estava enfraquecida, com cada cineasta indo para seu lado, mas começou a ser gestado ainda nos anos 1970, auge do movimento.

O filme é ambientado em 1902, quando uma família de mulheres sai de sua pacata ilha para tentar a vida no continente americano, significando o abandono de suas raízes e o risco de embate em um ambiente hostil.

A direção sempre elegante de Dash garante algumas imagens deslumbrantes da natureza e a construção narrativa é brilhante, ainda mais para um primeiro longa. 

Reserve duas horas de sua vida para se encantar com esta maravilha.