Diferentemente do jornalismo (mais informativo) e da academia (mais científica), a crítica, por ser livre e cheia de riscos, precisa ser apaixonada. Paixão é um elemento essencial para o bom exercício crítico, além, obviamente, de um bom conhecimento da história do cinema e do específico cinematográfico (câmera, enquadramento, duração dos planos, etc.) e de um conhecimento básico (no mínimo) em história da arte. A paixão que, como dizia o crítico francês Jean Douchet, precisa estar sempre sob a vigilância da lucidez. O que não difere em nada da formulação da subjetividade passando pelo filtro da objetividade, resumida por Anne Cauquelin sobre a crítica de Clement Greenberg.

Isso quer dizer que a crítica só deve falar bem dos filmes? De modo algum, e pensar assim contribui para o desserviço que normalmente se faz à crítica. Se a pessoa que exerce a crítica deve ser apaixonada pelo seu objeto de análise, ela precisa defendê-lo de qualquer jeito e com as armas da objetividade daquilo que entende como prejudicial, indigno de sua história. Eu amo cinema. Por isso não gosto dos maus filmes, preciso atacá-los para que seus autores façam filmes melhores, caso entendam a crítica e esta seja bem-sucedida em seus intentos. Os filmes, tornando-se melhores, exercem também a pressão para que a crítica se torne melhor.

Não se trata também de começar cada texto se posicionando a favor ou contra um filme. A posição pode ou não ficar clara no decorrer do texto (prefiro até que fique, mas entendo como opcional). Mesmo por que é comum não sabermos ao certo com que intensidade gostamos de um filme, e por vezes não sabemos sequer se gostamos.

A questão é que se um texto começa da obrigação de ser feito, se o filme não inspira nada para a escrita e a pessoa se vê obrigada a escrever sobre ele, há sempre o risco de faltar paixão a essa crítica, e ela estará fadada a uma séria limitação. Todos nós corremos esse risco, e eventualmente fazemos textos limitados. É possível colocar a ausência de inspiração em crise também, e nesse sentido é preciso atentar para outro risco, o da falta de foco, de objetivo, que pode minar a crítica para o leitor.

Oscar Wilde ainda no século 19 (o século do fortalecimento da crítica como gênero literário), como depois dirão Douchet, Robin Wood e alguns outros, dizia que a crítica, quando bem feita, se transformava, ela própria, numa obra de arte. E se uma obra de arte por vezes escapa ao seu criador, que não pode perceber tudo que sugere sua criação, com a crítica existe também uma grande chance de isso acontecer. Por vezes queremos dizer uma coisa e a maior parte das pessoas entende outra. Mesmo com o déficit de compreensão da maior parte dos leitores atuais, devemos sempre diminuir ao máximo as chances de incompreensão do que escrevemos. Nesse sentido, clareza na exposição das ideias é fundamental.

Finalmente, é necessário lembrar que escrever críticas não é nada fácil. Estar na pele de alguém que escreve críticas, menos ainda. Prepare-se para amar sem ser amado(a), por vezes ser incompreendido(o), ou até detestado(a). Mais um motivo pelo qual a paixão é essencial.