Novo sucesso da Netflix, o canadense (de Quebec) “O Declínio”, de Patrice Laliberté, mostra um grupo de pessoas que resolve fazer parte de uma experiência: viver num local afastado, caçando sua comida, bebendo água do rio e fazendo armadilhas como se um apocalipse estivesse próximo.
O longa faz parte de uma enorme linhagem de filmes distópicos que ganhou força a partir da bomba atômica e da permanente ameaça de fim do mundo. Dentro dessa linhagem, se desenvolve de maneira interessante até que surgem os confrontos finais, e é quando o filme descamba para uma luta final bem típica do cinema de ação.
Diferentemente da maior parte dos longas distópicos, “O Declínio” nos apresenta um momento anterior à concretização de alguma ameaça (um vírus, provavelmente). Vemos então esse grupo de pessoas que treinam para sobreviverem ao colapso do mundo como o conhecíamos.
Na trama, Alain (Réal Bossé) é o anfitrião, aquele que acredita mesmo no fim (parece ter previsto a privação social que passamos com o corona), e se prepara para que o seu mundo mude o menos possível com o fim do mundo dos outros. Uma perspectiva egoísta, mas Alain não é apresentado como uma pessoa de todo ruim, embora atraia o pior do grupo que hospedou, um encrenqueiro asqueroso, recalcado e violento chamado David (Marc Beaupré).
Os mais humanos do grupo, e aqueles que em determinado momento farão resistência às ideias radicais de Alain, são Rachel (Marie-Evelyne Lessard), que aos poucos se revela a protagonista, e Antoine (Guillaume Laurin), que aos poucos se revela uma pessoa de caráter, ao contrário do bobão que aparente ser até a metade do filme. Outros se juntam a esses dois numa tentativa de resolver o problema que surge de acordo com o que manda a lei. Antes disso, Rachel humilha David numa brincadeira de luta, e a reação de David indica o que estaria para acontecer (o filme não se esforça em nada para esconder que algo grave estaria para acontecer).
Longa simples e direto, com menos de uma hora e meia de duração, uma violência seca, por vezes repentina, e dois surtos neuróticos de Alain, que berra em altos decibéis como única maneira para impor sua vontade (o que obviamente não dá muito certo), “O Declínio” tem lá seu interesse, até pela sintonia com o momento em que vivemos. Seria mais interessante se Alain, como o equivalente a um cientista maluco da trama, e David, como seu violento escudeiro de última hora, fossem mais inteligentez e sagazes, dificultando mais os movimentos de Rachel e Antoine e criando um clima realmente tenso.
* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema