“Roma” e “Roda Gigante” eram sinais de que algo estava em curso. “O Irlandês” e “Dois Papas” eram movimentações mais enfáticas. “Joias Brutas” é a confirmação de que mudaram-se os paradigmas. O cinema autoral invadiu o streaming e obrigou os veículos que cobrem cinema a sair da inércia e começar a dedicar maior espaço aos lançamentos das plataformas online.
O Olhar Digital inaugurou esta seção de cinema e streaming em tempo certo. Hoje, as listas de estreias nos cinemas brasileiros precisam de complementos com o que estreia no streaming. Os filmes anteriores, “Roma”, “Roda Gigante”, “Dois Papas” e “O Irlandês” tinham exibições nos cinemas como modo de aproximação das duas instâncias. “Joias Brutas”, no Brasil, estreou direto na Netflix, apesar dos diretores, Benny e Josh Safdie, terem se confirmado como novos autores com o longa anterior, Bom Comportamento.
Isto também inaugura um problema, não muito difícil de resolver, mas que deve incomodar alguns menos familiarizados com a sétima arte. Entre tantas estreias do streaming, o que destacar? Sobre o que escrever e dedicar pensamento? De que modo reagir a alguns filmes, e a quais deles?
A essas perguntas, podemos acrescentar uma outra, em forma de observação espinhosa: se no passado os lançamentos em DVD recebiam a atenção da imprensa, por que os lançamentos no streaming, de clássicos ou de filmes que estrearam antes no cinema, também não receberiam?
Parece que muitos estão perdidos com a enormidade de títulos colocados em disposição do usuário, e com a enormidade de bombas também, e não estão sabendo direito o que fazer. Mas penso ser essencial cobrir, de alguma forma, as aparições de filmes como, por exemplo, “Os Embalos de Sábado à Noite”, de John Badham, com John Travolta no papel principal. Será descoberto finalmente por uma geração que desconhece a prática de colocar discos na gaveta de um DVD player, mas pensa que o mundo do cinema em casa se resume a Netflix.
Da mesma forma, Amazon Prime, MUBI, Belas Artes à La Carte e Telecine Play apostam muito mais em clássicos do que a Netflix. Por que não responder a isso com textos? Como, por exemplo, as novas gerações de críticos receberão as quatro obras-primas de Otto Preminger que a Amazon Prime disponibilizou recentemente em seu catálogo – a saber: “O Homem do Braço de Ouro”, “Ingênua Até Certo Ponto”, “Santa Joana” e “O Fator Humano”? Ou o “Ladrão de Casaca”, de Hitchcock?
O cinema brasileiro, por sinal, também tem sido contemplado por essas plataformas. Poucos meses atrás, surgiram alguns filmes brasileiros interessantes na Amazon Prime, vindos de uma época em que eram vistos por um grande público nos cinemas dos centros das cidades. Para encontrar esses filmes no streaming, era necessário certa paciência, pois o serviço de busca da Amazon consegue ser pior que o das outras, que são ruins também. Mas há algo ainda pior que isso: os filmes já não parecem mais disponíveis, ou estão sendo tão escondidos que nem com uma busca pelos diretores os encontramos.
Seja como for, as plataformas de streaming ainda estão engatinhando no trato com o espectador. Assim como os jornalistas, que já não sabem mais se devem cobrir filmes como o interessante “Pássaro do Oriente”, que entrou somente na Netflix, ou ficar só nos medalhões. Na indecisão, podem perder o bonde.
* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema