Logo no início de Deixe a Neve Cair, estreia desta última sexta-feira na Netflix, Tobin (Mitchell Hope) e Angie (Kiernan Shipka) estão em uma loja de disco. Ele pega o disco Let’s Get it On, de Marvin Gaye, que é literalmente um chamado ao sexo, enquanto olha para ela com desejo. Mas ela tem nas mãos o disco Check Your Head, dos Beastie Boys, arrefecendo os instintos animais do rapaz.
O cinema americano é pródigo em criar cenas como essa, mesmo em filmes convencionais com esta produção da Netflix dirigida por Luke Snellin. É uma espécie de know-how que nenhuma outra cinematografia tem, uma arte de nos fazer sorrir com muito pouco, e de mostrar um quase flerte com delicadeza e um certo teor lúdico.
Logo percebemos que Tobin ama Angie há muito tempo, mas não tem coragem de se declarar, para desespero do amigo Keon (Jacob Batalon), que trabalha numa lanchonete. A companheira de trabalho de Keon, Dorrie (Liv Hewson), é homossexual, e por isso enfrenta o preconceito dos jovens da região e até mesmo alguma incompreensão de sua melhor amiga, Addie (Odeya Rush). Esta, por sua vez, está desesperada com o aparente sumiço do namorado. Estaria ele com outra? Ela pega uma carona até a lanchonete onde trabalha a amiga, e a motorista do caminhão que a leva é Joan Cusack.
Na dita lanchonete, chamada Waffle Town, estão Julie (Isabela Merced), garota que acabou de entrar na Columbia University, mas precisa cuidar da mãe doente, e o superstar Stuart Bale (Shameik Moore). Ambos acabam se conhecendo num trem, e resolvem parar na lanchonete para comer waffles enquanto limpam as neves dos trilhos.
Enfim, estamos no terreno das histórias que se cruzam, por vezes arbitrariamente ou até forçadamente, um terreno que já deu uma série de filmes medianos e irregulares, o que parece ser uma condição e uma limitação desse tipo de produção. Neste caso, tudo vai convergir para uma festa no final, na lanchonete mencionada acima.
Deixe a Neve Cair é irregular. Mas é também a comprovação do know-how americano para esse tipo de filme, seja produzido para cinema, seja direto para a Netflix. O que muda é a maneira como ele será inicialmente consumido. Mas a raiz é a mesma já observada em comédias românticas como Harry & Sally: Feitos um Para o Outro (Rob Reiner, 1989) ou, mais especificamente entre os filmes de várias histórias que se cruzam, Simplesmente Amor (Richard Curtis, 2003).
Uma coleção de clichês, soluções fáceis para conflitos existenciais, casais que represaram o amor que sentem um pelo outro de repente se beijando, ou seja, o tipo de estrutura que por vezes lembra a de um filme pornô, em que tudo é direcionado para a resolução dos problemas e para a conciliação definitiva.
E apesar de reconhecermos essa fórmula mais do que manjada, nos pegamos presos à trama, seja porque os atores foram bem escolhidos, seja porque o tal do algoritmo está atingindo picos assustadores de excelência. Divirtam-se com esta bobagem que pelo menos ela é bem feitinha e o mundo está bem difícil.