A Netflix acostumou mal o espectador. Quando estreia uma temporada de Stranger Things, ou de Glow, ou ainda de 13 Reasons Why, o fã ou interessado mais efusivo, se estiver de férias ou com pouco trabalho (ou mesmo sem trabalho, pois a situação não está fácil), pode ver todos os episódios de uma tacada só, aproveitando-se melhor do fluxo de acontecimentos e do conhecimento que terá de cada personagem.
Na época de ouro das séries americanas, mais ou menos do final da década de 1990 ao final da década passada, os episódios eram exibidos semanalmente, e havia uma grande expectativa para saber de algum desenlace da trama e da continuação de alguns casos que aconteciam com os personagens.
Hoje, o espectador pode ver Família Soprano (1999-2007), Mad Men (2007-2015) ou Breaking Bad (2008-2012), todas disponíveis em serviços de streaming (HBO no primeiro caso, Netflix nos dois outros), muito mais rapidamente, beneficiado pela possibilidade de ver três, cinco, oito ou até mais episódios de uma só vez. É possível, por exemplo, ver as sete temporadas do excelente Mad Men em um feriadão prolongado.
O espectador que o fizer, estranhará que alguns acontecimentos marcantes, como por exemplo o enfrentamento de Don Draper com Duck Philips no final da segunda temporada, é resolvido sem que tenhamos visto inteiramente. Ele é relatado, em diálogos e resumidamente, em episódios da terceira temporada, como se um personagem lembrasse ao outro da grande vitória de Draper na queda de braço corporativa. O que aconteceu é basicamente um grande acerto entre os compradores da Sterling Cooper e os sócios que dão nome à pequena empresa, no qual Draper é beneficiado em favor de Philips. Isso, contudo, nos é quase que inteiramente sonegado, apesar de intuirmos o que irá acontecer após a cartada única do protagonista.
Da mesma forma, existe uma estrutura muito burilada para fazer com que cada episódio tenha seu valor individual, sua unidade específica, mesmo que esteja quase sempre atrelado a acontecimentos de episódios anteriores. A lógica é semelhante a das séries de longas de sucesso, apostando que o espectador não esquecerá tão facilmente, após uma semana, alguns acontecimentos da trama.
Claro, isso é mais fácil de acontecer com uma série muito bem construída, dirigida e interpretada como Mad Men. Se pegarmos séries mais apelativas como 13 Reasons Why, ou mesmo as mais vibrantes como Stranger Things, é possível que a coisa não funcione tão bem se o espectador não possa fazer uma maratona, ou ver ao menos um episódio por dia. Essas séries são mais esquecíveis.
Veremos, então, como a nova série do universo Star Wars se sairá no esquema antigo de veiculação. Esse universo tem um poder incalculável. Ainda assim, The Mandalorian será um grande (diria até perigoso) teste para a ansiedade do espectador.
Sérgio Alpendre