Há filmes legendados também no Google Play, e alguns por uma bagatela (R$ 4,90 o aluguel). O que gostaria de sugerir hoje é de 2016, chama-se “Aliados”, e foi subvalorizado quando estreou no Brasil, apesar de seu diretor, Robert Zemeckis, ser o mesmo de estouros como a trilogia “De Volta para o Futuro” (1985-89) e “Forrest Gump” (1994).
Enganaram-se os críticos e cinéfilos de então. Trata-se de um belo filme, com tensão e charme, como convém a um thriller. A trama não oferece muitas novidades dentro do subgênero de espionagem de guerra a que pertence, mas também não faz feio dentro desse filão, principalmente pelo terço final, e apresenta um belo casal com uma química fascinante: Brad Pitt (Max Vatan) e Marion Cotillard (Marianne Beauséjour).
Pitt é um oficial canadense que trabalha para o serviço secreto inglês. Cotillard, uma espiã da resistência francesa. Ambos se juntam para uma missão quase suicida em Casablanca, Marrocos, durante a Segunda Guerra Mundial. Estamos em 1942, mesmo ano do lançamento daquele famosíssimo filme de Michael Curtiz com Ingrid Bergman e Humphrey Bogart. Dificilmente se ganha em uma comparação como essa, mas também não se pode fazer feio, e Zemeckis não fez. Longe disso.
O truque do roteiro de Steven Knight (que escreveu o mais recente “Millennium” e dirigiu “Calmaria”) é que essa missão dura apenas o terço inicial do filme. Depois, outras tensões surgirão, afinal, estamos num filme de espionagem, no qual as coisas podem não ser o que aparentam.
Antes de partir para os finalmentes em Casablanca, o casal fictício não resiste à mutua atração que sentiam um pelo outro e fazem amor no carro, no meio do deserto, durante uma tempestade de areia. É uma cena de antologia, sexo que pode ser o último da vida deles. Curiosamente, duas outras tempestades de areia representaram grandes momentos em grandes filmes recentes, mas anteriores a “Aliados”: a de “Mad Max: Estrada da Fúria”, de George Miller, e a de “Sniper Americano”, de Clint Eastwood. Será uma homenagem de Zemeckis? Não me surpreenderia.
Mas esse roteiro dificilmente daria um filme tão forte se não fosse a brilhante forma apresentada por Zemeckis. Trata-se de um contrabandista, que insere, na maior parte de seus filmes, uma série de truques, não exatamente como os de Hitchcock, mas aparentados, que desviam o olhar do espectador para alguns detalhes e enriquecem a percepção cinematográfica de quem por eles se sentir atraído. Exemplo: logo após se casarem, Max e Marianne estão comemorando com amigos num pub, até que Pitt, depois de tanto admirá-la com os olhos, levanta-se para dançar com ela. Vemos logo em seguida uma mão no ombro do homem que estava entre os dois, para logo depois, no discreto recuar da câmera, vermos que era uma mulher que oferecia um beijo para o homem no caminho enquanto, por trás, o braço de Max se estendia a Marianne.
Mais adiante, surge um ainda melhor. Max resolve fazer um voo noturno até a França, e a preocupação de Marianne, num plano, se encerra com uma luz intermitente do lado de fora de sua casa, provavelmente luz de relâmpagos, pois chove. Com o corte, vemos a luz intermitente de um refletor e logo pensamos ter sido enganados. Não era relâmpago, era um sinal vindo de fora para ela. Mas o sinal não era para Marianne, e sim para facilitar o pouso clandestino de Max.
São pequenos detalhes que mostram a habilidade de Zemeckis em construir uma forma sólida, que respeita as convenções do clássico ao mesmo tempo que brinca com elas.
Finalmente, o roteiro reserva alguns achados próximos do final, e obviamente não poderei falar sobre eles aqui, sob o risco de estragar a experiência do espectador. Basta dizer que são muito bem filmados, à altura do que a tensão pedia. É o que esperamos, sempre, de um cineasta como Zemeckis.
* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema