O cinema brasileiro continua se renovando, e com ele o cinema paulista, quase sempre meio duro, ganha uma leveza inesperada. “Meio Irmão”, de Eliane Coster, faz parte dessa renovação, e agora poderá ser conferido no circuito comercial, sem o corre-corre dos festivais.

É um longa filmado em 2016, finalizado em 2018 e estreado em 2020, após uma passagem pela 43ª Mostra Internacional de São Paulo. Esse é o ciclo de um filme após o início da falência do cinema brasileiro. Agora, que nosso cinema está sendo cada vez mais bombardeado pelo obscurantismo, surgem os últimos frutos de uma época menos desumana.

Mas “Meio Irmão” reflete desesperança e solidão em cada enquadramento, na história de Sandra (Natália Molina, uma ótima revelação), que espera pela mãe desaparecida enquanto se aproxima, meio desajeitadamente, quase que acidentalmente, do meio irmão Jorge (Diego Avelino), filho da mesma Suely, que sumiu pela vida com um homem que trabalha instalando câmeras de segurança.

Jorge filma, por acaso, uma agressão homofóbica. Percebido pelos agressores, foge de moto, mas passa a sofrer ameaças de uma milícia virtual (essa praga de nossos dias). Esse segundo enredo ameaça prejudicar o filme, mas Eliane Coster segura habilmente os riscos dessa abertura e se concentra na aproximação entre Sandra e Jorge, que não se dá sem alguns atritos.

De todo modo, esse segundo enredo é o que permite à diretora falar de racismo e homofobia, numa das sociedades mais intolerantes e violentas do mundo. E fala não de maneira panfletária, mas totalmente inserida no drama dos personagens, assim como o pai de Jorge, que está cansado de trabalhar como um louco para os outros ganharem dinheiro e pretende montar sua própria empresa.

É legal também ver um bairro da zona leste, a Vila Ré, sendo retratada no cinema, com seus sobrados grandes, suas ladeiras e uma vida comercial que parece ter estacionado em algum momento das décadas passadas.

A trama triste, mas filmada com liberdade e leveza, rende ao menos uma cena antológica, quando Sandra vai tentar reconhecer um corpo com a ajuda do meio irmão. Os cortes, os movimentos dos atores que permanecem colados, os contracampos, a delicadeza no tom. São momentos de raro brilho, que não somem de nossas memórias tão facilmente e elevam o filme no balanço final. 

* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema