Já no título brasileiro, “Maria e João – O Conto das Bruxas” (“Gretel & Hansel” no original) promete uma inversão curiosa, operada em dois níveis. Não veremos o famoso conto de fadas popularizado pelos irmãos Grim com a famosa história dos irmãos João e Maria. Veremos a história de Maria, sua jornada rumo ao autoconhecimento e seu empenho em salvar o irmão de um destino cruel. E essa história é narrada como um conto gótico, com os códigos do horror e a necessidade da criação de uma atmosfera aterrorizante.
A inversão do título é pertinente não só pela questão da representatividade, do nome feminino vir antes do masculino como um sinal de empoderamento, mas porque nos leva a entender que é da irmã que o filme irá falar, não necessariamente dos irmãos. Caso tirassem o irmão do título, ou deixasse só “O Conto das Bruxas”, a brincadeira com o conto de fadas perderia o sentido.
E a inversão também é importante porque salienta que é possível ter magia do mal e magia do bem, bruxa má e bruxa boa, e é na adolescência que essas escolhas (entre o bem e o mal, entre um caminho e outro) aparecem com maior força – o que não impede que se troque de lado quando adulto, como é bastante comum.
Cada um faz o que quer com seu ressentimento, e Maria, aliás, Gretel (Sophia Lillis), entende que o melhor a fazer com o ressentimento de ter sido expulsa pela mãe, até para sua melhor qualidade de vida, é procurar fazer o bem, usar seus poderes para coisas boas.
Os desafios serão muitos, e ela não sabe se terá condições de vencê-los. É muito jovem ainda, e seus poderes mal ultrapassam as visões sinistras e o instinto apurado.
Acompanharemos então o seu caminho na tentativa de vencer esses desafios. A doçura da menina nos diz que pode terminar bem, mas a atmosfera de horror nos coloca uma pulga atrás da orelha sobre essa possibilidade. Afinal, no horror moderno e contemporâneo, o mal vence com frequência (por vezes disfarçadamente).
O diretor, Osgood “Oz” Perkins é filho do ator de “Psicose”, Anthony Perkins. Desenvolveu carreira como ator, assinando Oz Perkins, e dirige aqui o terceiro longa de sua carreira como diretor e o terceiro de horror, após “A Enviada do Mal” (2015) e “O Último Capítulo” (2016).
“Maria e João” é também seu melhor filme, com certa folga, pois mostra uma maior habilidade na construção do espaço fílmico e abusa menos dos sustos fáceis ajudados pela trilha sonora.
* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema