Um divertimento escondido na Netflix é o filme de horror “Hush: A Morte Ouve”, de 2016, de um dos diretores mais interessantes do século 21, Mike Flanagan. No mesmo ano, Flanagan lançou seu melhor longa, “O Sono da Morte” e um outro divertimento, “Ouija – Origem do Mal”. Em 2019 realizou o celebrado “Doutor Sono”, uma espécie de continuação arriscada do clássico de Kubrick, “O Iluminado” (1980).

Na trama de “Hush”, Maddie (Kate Siegel, também corroteirista), é uma escritora surda e muda que se isola no campo para escrever seus romances de sucesso. Por vezes, ela recebe uma amiga que também mora no campo. O restante de sua vida social se dá por aplicativos de comunicação virtual.

Numa noite escura como só no campo pode acontecer, sua vizinha é assassinada por um homem mascarado, nem na sua porta. Mas ela não ouve os gritos desesperados da vítima. Nem percebe a presença do assassino, que chega a entrar em sua casa, mas está inicialmente mais propenso aos jogos de horror.

Por exemplo: já nos primeiros vinte minutos o assassino misterioso tira a máscara, revelando seu rosto, o rosto de um homem comum. Essa é a cara da violência americana em muitas ocasiões: a de um homem comum, ordinário, que se passa por educado, mas coleciona esqueletos no armário.

Maddie, surda e muda, nunca poderia viver isoladamente. Mas como é escritora, podemos acreditar na ideia da artista reclusa, que se refugia no meio da natureza para melhor criar suas histórias. É um clichê, que aceitamos de bom grado se a narrativa se encaminhar bem, mas que contará pontos negativos se muitos equívocos se acumularem.

Dois filmes de outra época, outras ambições, vêm à mente. O primeiro é superior: “Terror Cego” (1971), de Richard Fleischer, no qual Mia Farrow é uma jovem cega ameaçada por um maníaco em sua casa de campo. O segundo é inferior, mas guarda maiores semelhanças com “Hush”. Trata-se de “Um Clarão nas Trevas” (1967), de Terence Young, em que Audrey Hepburn é uma moça que perdeu a visão recentemente, e é aterrorizada por três homens à procura de heroína escondida em uma boneca.

Nos três filmes, e, de certo modo, em muitos outros, em maior ou menor grau, a heroína tem alguma dificuldade que diminui suas chances de sobrevivência. Ela terá então de aprender a lutar com suas armas, com os outros sentidos, mais aguçados pela ausência de um ou dois deles, e com o fator surpresa.

Filme curto, de pouco mais de oitenta minutos de duração, levado e escrito com a habitual competência por Flanagan, “Hush” é mais um exercício de suspense e horror que faz jus ao gênero sem nos entregar nada de verdadeiramente novo. Mesmo o estilo parece mais comportado com relação a outros filmes do diretor, como se ele estivesse mais interessado no terror propriamente dito, da escritora às voltas com um demente.

Na verdade, o maior desafio é sustentar esses oitenta minutos, uma vez que toda a situação já está dada com vinte, sobrando então uma hora para um confronto que tenderia a se resolver rapidamente. É aí que Flanagan faz a diferença, onde vários diretores poderiam se oferecer ao engano. Há, decerto, alguns clichês a mais. Há, contudo, um real interesse pelo desenrolar da história e por um desfecho quiçá improvável, após alguns desvios desnecessários pelo caminho (a voz interna de Maddie, por exemplo).

* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema