Fernando Meirelles diz ser ateu. É a condição ideal para quem dirige um filme como Dois Papas, que acaba de estrear na Netflix. Mas Meirelles é também o diretor que se tornou famoso por Cidade de Deus (2002 – codirigido por Katia Lund). Isso faz com que carregue a mesma afetação em tudo quanto é filme que assina, seja ela atenuada por um compromisso do “filme de qualidade” (O Jardineiro Fiel, de 2005) ou liberada pela necessidade de extrapolação de um estilo (360, de 2012).

O ateísmo favorece um distanciamento que permite o olhar mais atento ao que esses dois papas tem de humano. A afetação impede que esse olhar seja justo, e que o trabalho dos atores seja valorizado ao máximo.

Na trama, vemos dois cardeais de posturas radicalmente opostas se tornando papas em diferentes épocas. Cardeal Ratzinger se torna o Papa Bento em 2005. Chamado de nazista por alguns (por preconceito contra alemães), era conservador demais, e ficou desgastado após o escândalo dos padres pedófilos. 

Cardeal Bergoglio se torna o Papa Francisco em 2013. É talvez o papa mais progressista da história recente da igreja católica, justamente num momento em que o mundo dá uma guinada rumo ao obscurantismo e ao capitalismo mais sujo, aquele que aumenta a concentração de renda.

São personalidades já extremamente interessantes, ainda mais porque a trama imagina o que pode ter ocorrido no encontro entre os dois, em 2012, quando cada um queria o oposto do outro, e felizmente se deu a vontade do Papa Bento, o que acabou culminando em sua renúncia e à eleição do Papa Francisco, o primeiro papa argentino da história.

Anthony Hopkins interpreta o Papa Bento. É um ator carismático o suficiente para fazer com que atenuemos a antipatia pelo personagem. No final, somos até simpáticos a ele, por mérito do ator, mais do que dos acontecimentos e da confissão que o espectador verá.

Jonathan Pryce está sublime como o Papa Francisco, ou melhor, como o Cardeal Bergoglio, já que é assim que ele aparece na maior parte do filme. De carisma inigualável, esse ator britânico que já interpretou o argentino Peron (em Evita, de Alan Parker), tem aqui um de seus grandes papéis no cinema.

Uma pena que Fernando Meirelles ainda dirige como um publicitário, com excesso de iluminação, fotografia leitosa de Cesar Charlone (a culpa é do diretor, sempre), um número sem sentido de cortes que procuram forjar um dinamismo falso e algumas opções de enquadramento que revelam muito mais vontade de aparecer estilisticamente do que de aprofundar alguma situação dramática. 

Nesse sentido, Fernando Meirelles, como diretor, é o anti-John Ford, o anti-Mizoguchi, ou, para descemos à Terra, o anti-James Gray, pois seu maneirismo parece chamar a atenção para uma habilidade de direção que é um tanto discutível. Vejam o que Fassbinder fazia com o maneirismo para entender como se filma com estilo.