A difícil prova do segundo longa é ultrapassada por Greta Gerwig. “Adoráveis Mulheres”, indicado ao Oscar de melhor filme para a cerimônia do próximo dia 9 de fevereiro, tinha tudo para ser um passo em falso.

A adaptação literária de peso, do livro de Louise May Alcott, que já havia sido adaptado por, entre outros, George Cukor (sua versão, de 1933, ainda é a melhor) e Mervyn LeRoy, mais o peso do academicismo que costuma vir com os dramas históricos encenados dos anos 1970 em diante, ofereciam um obstáculo e tanto para uma diretora em seu segundo longa, mesmo que no primeiro ela tenha sido bem-sucedida.

Aí temos a escolha do elenco: Louis Garrel só costuma funcionar nos filmes do pai, Philippe Garrel. Esse é um problema difícil de contornar, mas ele parece pouco, e dá para o gasto. As garotas teriam de ser escolhidas a dedo, e foram, com destaque para Florence Pugh (de “Midsommar”), cada vez mais talentosa, aqui interpretando a terceira irmã, Amy. Saoirse Ronan, Emma Watson e Eliza Scanlen interpretam com brilho as outras irmãs March, respectivamente, Jo, Meg e Beth.

Não importa muito que elas não pareçam do século 19, problema de 99% dos filmes históricos contemporâneos. Não importa porque, nesse caso, elas representam jovens muito avançadas para a época (principalmente Jo e Amy). Por fim, Timothée Chalamet costuma ser chatinho. Mas é um chatinho com rosto e espírito do século 19, então fica tudo certo.

Junta-se a isso uma direção precisa, em que movimentos estratégicos se harmonizam com enquadramentos muito bem cuidados, e Gerwig mostra então que não pode mais ser chamada de a senhora Baumbach. Já que o melhor filme de seu marido, “Mistres America”, é inteiramente dependente da persona de Gerwig em cena, e não supera os dois filmes que ela dirigiu, é forçoso dizer que o outro é o senhor Gerwig.

O embaralhamento dos tempos é o dado mais radical do filme, e passada a surpresa da ousadia, vemos que não funciona muito bem, como na maioria dos filmes que adotam esse procedimento nada novo, mas sempre encarado como inventivo. Há um único trunfo nesse procedimento, e acontece bem no final (por isso não se pode adiantar aqui).

No restante do filme, ficamos imaginando como seria se a história fosse contada linearmente, como nas outras adaptações, uma vez que o mais importante, no caso, é a escolha e a direção do elenco, o comportamento da câmera, sua angulação e a distância para os atores que estão em cena, a duração dos planos, as entonações dos diálogos, as elipses narrativas. Esses elementos também fazem a diferença em cinema. Na escolha do que fazer com eles, Gerwig é bem-sucedida.

Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema