O corona vírus impõe para já uma nova realidade. Os cinemas estão fechados por tempo indeterminado. Os inúmeros filmes programados para estrear nas próximas semanas terão de ser remanejados para sei lá quando em sei lá que condições. Provavelmente não será neste ano que os cinemas poderão operar com capacidade máxima de lugares. Terão de limitar venda de lugares, trabalhar com mais ventilação e menos ar condicionado, talvez até disponibilizar álcool gel para os espectadores. A normalidade ainda está invisível no horizonte.
Algumas perguntas, então, se acumulam:
– como as distribuidoras resolverão o problema do gargalo, existente há muito tempo, mas que será certamente agravado por meses de inatividade das salas?
– há alguma possibilidade de as distribuidoras colocarem a maior parte dos filmes comprados em algum serviço de streaming, correndo o risco de terem seus filmes exibidos com qualidade reduzida por causa do alto tráfego da internet?
– se optarem por essa saída quase que inevitável, pensaram no problema da limitação de qualidade que tem sido imposta em diversos serviços?
– há alguma real preocupação, pensando a longo prazo, em mudar o modo como os filmes recentes chegam ao público? São Paulo pode se dar ao luxo de ter cinema para todos os gostos. Mas e o espectador de cidades menores pelo país, precisa ter como opção somente o último blockbuster da Marvel, e dublado ainda? Não seria viável fazer com que os filmes cheguem também em cidades que têm poucos cinemas, ou mesmo nenhum cinema?
– como será a realização de filmes pós-Covid? Com que orçamento lidarão os diretores nas diferentes escalas, da pequena à grande produção?
Todas essas perguntas já devem estar rondando a cabeça de realizadores, produtores, exibidores, distribuidores e de praticamente todos os envolvidos na cadeia de filmes novos, chegando até aos espectadores.
Mas estariam verdadeiramente pensando em respostas? Porque a impressão que dá é que ninguém sabe direito o que fazer, e o problema, quando for solucionado, deixará ainda em aberto diversos outros problemas.
Por enquanto é fácil pensar no streaming como a salvação da lavoura. Todo mundo em casa, consumindo arte e cultura da única maneira possível. Basta ver como aumentaram também as visitas virtuais a museus. Mas parece não haver ainda uma real preparação para um possível prolongamento da crise.
Um Polanski que ficou quatro dias em cartaz pode muito bem voltar aos cinemas no segundo semestre. Mas e um “Technoboss”, filme português de alcance pequeno a despeito de suas evidentes qualidades? E os inúmeros filmes brasileiros que já eram arremessados no circuito de maneira bem dolorida antes do corona?
Entendo que as perguntas não tenham respostas imediatas ou a curto prazo. Seriam obras de um campeão da frieza, um rei do discernimento. Mas será necessário pensar essas questões e elaborar estratégias para evitar o caos do engarrafamento pós-quarentena. E mais necessário ainda é dar vazão aos filmes, que são as maiores estrelas do jogo.
* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema