Sprites, fenômeno ainda misterioso, já é explicado pela ciência

No Brasil, o primeiro registro ocorreu em 2002, por meio de um trabalho de pesquisa realizado entre a Universidade de Washington e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
Liliane Nakagawa30/03/2020 16h19, atualizada em 30/03/2020 17h00

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Por Marcelo Zurita*

‘Sobrenaturais’, é como geralmente chamam aqueles fenômenos os quais não se podem explicar a partir de nosso conhecimento da natureza. Existe um desses fenômenos que era considerado sobrenatural até o momento em que o desenvolvimento tecnológico permitiu seu registro, estudo e sua explicação por meio das leis naturais da física. Os “Sprites”, até o final do Século XX, eram pouco conhecidos, cujo estudo se limitavam a alguns poucos relatos e especulações em torno desses relatos.

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Sprites em forma de ‘fadas’ registrados em João Pessoa. Créditos: Bramon

No segundo volume do livro “Neue Kleine Schriften” (Novas Pequenas Escritas), o alemão Johann Georg Estor, relata algo interessante presenciado por ele em Vogelsberg. Durante uma tarde bastante fechada do ano de 1730, Estor subiu uma das montanhas mais altas daquela região atravessando uma nuvem de tempestade. Ao chegar no alto dessa montanha, viu o céu azul acima dele e as nuvens abaixo formando um mar branco, do qual os flashes subiram também diretamente para o céu. Este é, provavelmente, o mais antigo relato da observação de sprites que se tem notícia.

Sprites são eventos luminosos transitórios de origem elétrica que ocorrem acima das nuvens de tempestade. São geradas por intensas descargas elétricas que partem dos topos da nuvens e se estendem até o limite superior da mesosfera (em torno de 95 Km de altitude). Em certa altura, essa descarga gera um flash de plasma que, por alguns milissegundos, se torna iluminado assumindo formatos variados. Alguns podem parecer colunas de luz, alguns se assemelham a pés de cenouras e outros, podem apresentar formato semelhante à fadas. Com isso, não é difícil imaginar que, por muito tempo, muitos daqueles que visualizavam esses flashes, os associavam a fenômenos sobrenaturais como fantasmas ou OVNIs. Algumas das explicações consideradas naquela época é que seria apenas uma ilusão de óptica e haviam até quem duvidava da sanidade mental das testemunhas.

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Sprites registrados em alta definição a partir da Itália. Créditos: Stephane Vetter

Os séculos se passaram e vários outros textos científicos relatavam flashes luminosos acima de nuvens de tempestades. Além das populares associações à fenômenos sobrenaturais, psíquicos, fantasmas e OVNIs, algumas explicações científicas sobre as origens desses fenômenos foram especuladas. Mas de fato, essa área de estudo só começou a ter alguma credibilidade e relevância a partir de 1989, quando os primeiros sprites foram registrados acidentalmente em uma câmera de vídeo.

Na noite de 6 de julho daquele ano, o Professor John Winckler, Físico de Auroras da Universidade de Minnesota (Estados Unidos), testava uma câmera de televisão que queria usar para filmar um lançamento de foguete. A câmera era especialmente desenvolvida para trabalhar em situações de baixa luminosidade. Na fita gravada por Winckler naquela noite, em apenas dois quadros de vídeo, apareceram colunas brilhantes de luz, elevando-se acima das longínquas montanhas do norte de Minnesota. Essa foi a primeira gravação do fenômeno, que foi inicialmente chamado de “raio nuvem-espaço”.

Nos anos que se seguiram, vários pesquisadores utilizando câmeras de alta sensibilidade registraram esses raios. Um novo campo de pesquisa estava se abrindo. Outros fenômenos parecidos foram registrados como os “Blue Jets”, jatos azulados partindo do topo das nuvens de tempestade, e os raríssimos “Gigantic Jets”, que são jatos gigantescos partindo azulados desde o topo das nuvens de tempestade, se tornam avermelhados e atingem até os limites superiores da mesosfera, a cerca de 95 Km de altitude.

Em 1995, a partir de uma pesquisa desenvolvida pela Universidade de Alaska Fairbanks, cunhava-se o termo “Red Sprites” para nomear os recém descobertos fenômenos. O nome “Sprite” remete à uma criatura do folclore europeu também chamada de “espírito do ar”. É um nome que lembra a origem destes fenômenos que, por muitas vezes, tinham explicações sobrenaturais.


Resultados da pesquisa desenvolvida pela Universidade de Alaska Fairbanks

Na pesquisa da Universidade de Alaska Fairbanks, foram utilizadas câmeras instaladas em 2 aviões voando em posições distintas ao redor de uma tempestade. Foi medido que os sprites duram em média 16 milissegundos e, por triangulação, foi calculado que eles se estendem entre 50 e 90 quilômetros de altitude e tem uma largura entre 5 e 30 quilômetros.

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Primeira imagem colorida de um Sprite. Créditos: Universidade de Alaska Fairbanks

A partir daí, universidades e instituições governamentais se envolveram cada vez mais nessa linha de pesquisa. Mas surgiu também, uma oportunidade para que cientistas amadores pudessem participar da pesquisa, principalmente no início dos anos 2000, quando o preço das câmeras de alta sensibilidade foi ficando cada vez mais acessível. Era o fortalecimento do “Ciência Cidadã”, um tipo de pesquisa científica baseada na participação de vários cidadãos comuns. Para o registro de sprites, a participação dos dessas pessoas foi importante para criar pontos de observação em locais distintos de um mesmo país ou até mesmo ao redor do mundo.

No Brasil, o primeiro registro de um sprite ocorreu em 2002, por meio de um trabalho de pesquisa realizado em parceria entre a Universidade de Washington e o INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Além das pesquisas realizadas no INPE e nas universidades brasileiras, desde 2014, com o surgimento da Bramon – Rede Brasileira de Observação de Meteoros, os sprites são sistematicamente registrados em todo o Brasil. A Bramon é uma iniciativa de Ciência Cidadã baseada em uma rede colaborativa formada por astrônomos amadores e profissionais e que tem como objetivo principal o registro da passagem de meteoros pelos céus do Brasil. Entretanto, sua estrutura de câmeras espalhadas por todo o País, permite também o registro de fenômenos atmosféricos como os sprites. Já em 2014, ocorreram os primeiros registros a partir de Goiânia. Hoje, a Bramon é uma das redes colaborativas que mais registram esse tipo de fenômeno em todo o mundo.


186 sprites registrados pelas estações CFJ/RS em apenas uma noite. Créditos: Dr. Carlos Jung/Bramon

Além dos sprites, desde 2017, a rede também passou a registrar os fabulosos Gigantic Jets, uma classe rara de Eventos Luminosos Transientes e que até hoje, todos os registros deles no Brasil ocorreram através das câmeras da Bramon. Isso vem mostrando a importância da Ciência Cidadã nesse tipo de pesquisa e fortalecendo a colaboração entre estas iniciativas cidadãs e as universidades e institutos de pesquisa.


Gigantic Jets registrados pela Bramon entre 2017 e 2020

Nos dias atuais, mais de 30 anos após o primeiro registro em vídeo, nosso conhecimento a respeito desse fenômeno já evoluiu bastante. De fato, os sprites que antes eram quase desprezados pela ciência e tinham quase tão pouca credibilidade quanto a ufologia, passaram a ser um fenômeno amplamente estudado e tem nos ajudado a entender mais sobre nossa atmosfera. Entretanto, o pouco tempo de pesquisa ainda deixam muitas perguntas sem respostas, envolvendo os sprites em um véu de mistérios e motivando ainda mais os cientistas, amadores e profissionais, a continuarem a registrar e estudar estes fantásticos fenômenos da natureza.

Marcelo Zurita é presidente da Associação Paraibana de Astronomia, membro da SAB – Sociedade Astronômica Brasileira e diretor técnico da Bramon – Rede Brasileira de Observação de Meteoros

Liliane Nakagawa é editor(a) no Olhar Digital