Programa espacial brasileiro: o que vem por aí

Roseli Andrion08/08/2020 02h35, atualizada em 08/08/2020 22h00

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Estamos testemunhando uma nova corrida espacial. E o mais bacana que a corrida de agora não é entre superpotências querendo demonstrar poder também fora da Terra. Ela está sendo levada adiante principalmente por empresas das iniciativa privada, como a SpaceX, de Elon Musk, a Blue Origin, de Jeff Bezos, e a Virgin Galactic, de Richard Branson. Os planos são ambiciosos e incluem a criação de colônias na Lua e até em Marte! E é tudo para já. Quer dizer, para os próximos 10 ou 12 anos… uma evolução quase inédita na história da exploração espacial. Fora das gigantes de tecnologia, países como Israel e a Índia também entraram nessa corrida, com as recentes tentativas de fazer pousar sondas no solo lunar. Tentativas porque, infelizmente, as iniciativas dos dois países acabaram tendo problemas nas aproximações finais, e as sondas se perderam…

Todo esse avanço parece bastante distante daqui. E, em certa medida, está mesmo. O Brasil até ensaiou alguns passos na exploração espacial, mas perdeu relevância nos últimos anos. Ainda assim, temos uma história interessante nesse quesito. Pode até parecer novidade para alguns, mas existe um departamento dedicado exclusivamente à construção de foguetes espaciais. Ele fica aqui, em São José dos Campos, a 99 km de São Paulo. Estamos no Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial, o DCTA. Já as bases de lançamentos dos foguetes brasileiros ficam no nordeste: uma em Alcântara, no Maranhão, e outra em Natal, no Rio Grande do Norte, chamada Barreira do Inferno. E essa história vem de longe…

Na década de 1960, o presidente Jânio Quadros criou uma comissão nacional de atividades espaciais que deu início ao Programa Espacial brasileiro. Essa comissão tinha duas frentes: uma era responsável pelo desenvolvimento dos foguetes e outra era responsável por sua utilização. O instituto de Aeronáutica e Espaço, o IAE, criado em 1969, ficou no primeiro grupo, sendo que até hoje é o setor principal na produção de foguetes civis. Outro instituto conhecido e que faz parte do DCTA é o ITA, Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Ele forma profissionais que também atuam nessa área.

Os primeiros foguetes produzidos no país foram os foguetes de sondagem, que servem para levar cargas úteis à atmosfera para realizar pesquisas e experiências.

Em 1967, o Sonda I deu o seu primeiro voo. Ao total, foram realizados 200 lançamentos. Ele era um foguete de sondagem de capacidade limitada. Depois, com dimensões maiores, foi criado o Sonda II. O período de desenvolvimento desse foguete se deu em 6 anos e ele chegou ao espaço 61 vezes. Ele foi um estágio anterior para o próximo foguete da família: o Sonda III. Foram 31 lançamentos e 8 anos para desenvolver o foguete. Já o Sonda IV teve o seu primeiro voo em 1984. O foguete trouxe uma novidade, comparado aos outros foguetes da família. Ele tinha grande capacidade de carga útil e era um foguete com tecnologia controlada, que significava que era possível manobrá-lo dentro da atmosfera. Depois dele, o Brasil conseguiu finalmente criar o seu primeiro foguete capaz de colocar um satélite em órbita. Ele foi batizado de VLS 1. Estávamos em 1985.

O VLS 1 nunca chegou a sair do planeta devido a várias falhas. Foram 3 tentativas de levá-lo ao espaço. Uma delas resultou em um acidente em 2003, três dias antes do lançamento, matando 21 técnicos que estavam na base de Alcântara.

Apesar do desastre, o programa espacial brasileiro continuou. Em 1990, um novo foguete de sondagem, o VS-40, foi construído. Ele não tinha o objetivo de ser um foguete comum. Na época, a ideia era ter um foguete para testar motores fora da atmosfera. Foram 2 lançamentos: no Brasil e um na Europa.

O trabalho continuou com outros foguetes dessa mesma família. Chegamos, inclusive, a conduzir experiências no espaço, como o crescimento de cristais e experimentos biológicos. Até o ano passado, 2018, os foguetes da família VS já decolaram 55 vezes.

O último foguete da linha VS ainda está sendo desenvolvido. O VS 50 é um foguete de capacidade maior do que todos os outros. Ele está na etapa de qualificação, em que passará por testes no motor para saber as pressões internas, o empuxo e a força que está gerando.

E já que ainda não tivemos sucesso em um foguete lançador de satélites até agora, o IAE está preparando um. O VLM 1 será um lançador de microssatélites. Hoje o Brasil já produz e testa seus satélites em órbita, mas sempre com foguetes estrangeiros. O VLM-1, será o primeiro lançador de microssatélites feito em solo nacional.  Como ainda está em fase de desenvolvimento, não há prazo para lançamento.

Toda essa história e a cronologia dos foguetes brasileiros podem ser vistos no Memorial Aeroespacial Brasileiro, que fica dentro do DCTA, em São José dos Campos, e é aberto ao público. Dá para ver, por exemplo, réplicas em tamanho real dos foguetes antigos e cargas úteis que foram resgatadas.

Há boas notícias para o futuro do programa espacial brasileiro. Como parte de um acordo firmado entre Brasil e Estados Unidos, os norte-americanos poderão usar a base de Alcântara para lançamentos. Em troca, pagarão royalties pelo uso, e esse dinheiro deve ser, teoricamente, usado para investir no Programa Espacial Brasileiro. No texto, os EUA ainda autorizam o Brasil a lançar foguetes e espaçonaves, nacionais ou estrangeiras, que tenham partes tecnológicas americanas. Ou seja, na prática, o acordo é bom, e coloca o Brasil na rota da nova corrida espacial. Claro que não somos protagonistas nessa história, infelizmente. Mas, pelo menos, um dos teatros em que esses novos capítulos vão se desenrolar é nosso.

Colaboração para o Olhar Digital

Roseli Andrion é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital