Nesta semana, astrônomos revelaram a primeira imagem real de um buraco negro. A “fotografia” foi tirada a partir de oito telescópios alinhados simultaneamente ao redor do mundo, levou 10 dias para ser montada e custou mais de 40 milhões de euros. Tudo isso para mostrar o misterioso objeto de 40 bilhões de quilômetros de diâmetro localizado a 55 milhões de anos-luz da Terra, na galáxia Messier 87.
Mas o que é um buraco negro? Um buraco negro é um objeto de massa quase infinita localizado num canto reduzido do espaço – sim, 40 bilhões de quilômetros ainda é considerado “reduzido” quando falamos do universo conhecido. Por ser tão massivo, ele cria um campo gravitacional tão grande e tão forte que nada consegue escapar dele, nem mesmo partículas de luz.
O que vemos na imagem divulgada pelos cientistas do Event Horizon Telescope Array (EHT) é, na verdade, o contorno do buraco negro em si, que é totalmente escuro. O círculo dourado é o que se chama de “horizonte de eventos” (ou “event horizon”, no termo em inglês), e é a única parte visível do buraco negro. São os gases superaquecidos que “sobram” ao redor do objeto.
No centro do horizonte de eventos fica o que se chama de singularidade: o ponto em que a densidade da massa alcança níveis absurdos e a gravidade é tão forte que nada consegue escapar. E, por incrível que pareça, essa imagem comprova uma teoria criada por Albert Einstein no século passado.
Teoria da relatividade: Einstein estava certo
Em 1687, o físico britânico Isaac Newton publicou as suas famosas “Leis de Newton“, que governaram o estudo da física durante séculos. Newton descobriu, em parte, como funciona a gravidade: trata-se da força de atração que existe entre todas as partículas com massa no universo. É o que nos mantém presos à Terra e o que mantém a Terra girando em torno do Sol.
Todo objeto que tem massa tem gravidade, incluindo você e o celular nas suas mãos. Quanto maior a massa, maior a força da gravidade, Newton decretou, e ele parecia estar coberto de razão durante séculos. Essa lei newtoniana seria a principal base para a revolução científica que o físico alemão Albert Einstein promoveu em 1915, com a sua teoria da relatividade geral.
Einstein descobriu que a gravidade não era uma força gerada por massa atraindo massa, mas sim por energia atraindo energia. Daí surgiu a famosa equação E=MC² (energia é igual a massa multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado). Foi assim que o alemão descobriu que a gravidade governa os movimentos não só de partículas com massa, como eu, você e os planetas, mas também partículas que não têm massa, como a luz.
Esse entendimento nos permitiu compreender como as estrelas, galáxias e planetas se movem pelo espaço, e como calibrar telescópios para observarmos cantos distantes do universo. Nessas observações, alguns cientistas descobriram de forma independente uns dos outros a existência de estrelas que se movem de maneira esquisita, como se estivessem circulando um objeto de massa muito maior, mas invisível.
A teoria da relatividade geral só poderia estar 100% certa se ela pudesse explicar o movimento dessas estrelas em torno de um objeto invisível. Cientistas então começaram a criar hipóteses que pudessem explicar esse estranho comportamento e que se encaixassem nas previsões de Einstein. Foi daí que pensaram: e se houvesse um objeto no espaço com tanta massa e tanta energia que nem mesmo partículas de luz pudessem escapar do seu campo gravitacional? Seria um ponto no espaço, uma singularidade, tão pequena e tão massiva, mas também invisível.
Nascia assim o conceito do buraco negro como o conhecemos hoje. O buraco negro era uma resposta teórica para dúvidas que foram surgindo conforme a humanidade observava o universo. Certos fenômenos e padrões de comportamento só poderia fazer sentido dentro da teoria da relatividade geral se um buraco negro pudesse existir.
Mas, até hoje, nós nunca pudemos observar um deles diretamente. A partir de cálculos e observando as estrelas ao seu redor, era possível identificar onde, no espaço, poderia haver um desses. Mas uma visão clara parecia impossível. Tudo o que tínhamos, todas as fotos e imagems que você já viu na sua vida sobre buracos negros eram ilustrações e modelos imaginados por artistas. Até hoje.
De onde vêm os buracos negros?
A imagem de um buraco negro mostra, mais uma vez, que os cálculos previstos por Einstein estavam corretos, e para a relatividade geral funcionar, é preciso que objetos estranhos como os buracos negros existam pelo universo, exatamente como eles eram previstos: uma sobra (a singularidade) e o seu contorno (o horizonte de eventos). Mas de onde eles vêm? O que provoca o nascimento de um desses? Por que eles existem?
Estas são perguntas ainda sem respostas definitivas. Existem diversas explicações possíveis, mas nem todas funcionam bem para todos os casos de buracos negros já detectados ou teorizados pelo universo observável. A explicação mais comum, e que serve para a maioria deles, tem a ver com a morte de uma estrela.
Acredita-se que a maioria dos buracos negros se formam quando uma estrela gigantesca, pelo menos 30 vezes mais massiva que o nosso Sol, chega ao fim da vida e “queima” todo o combustível necessário para produzir luz. O núcleo da estrela fica instável, entra em colapso e a estrela explode – fenômeno que chamamos de supernova – produzindo uma quantidade tão grande de energia que o seu campo gravitacional fica fora de controle.
O que sobra dessa supernova é o buraco negro, fenômeno que é formado por uma singularidade, o centro do objeto que um dia foi uma estrela, e que agora tem tanta gravidade que nem mesmo a luz é rápida o bastante para escapar; e o horizonte de eventos, que é a borda do buraco negro, a fronteira onde o campo gravitacional para de sugar tudo o que encontra pela frente, e a partir do qual nada mais escapa, deixando apenas um rastro de energia, os gases que sobraram da supernova, tão quentes a ponto de emitir uma luz mais brilhante que todas as estrelas na nossa galáxia.
Por que demorou tanto?
Como já dissemos, buracos negros são invisíveis. Só o que podemos ver são as suas bordas, as nuvens de poeira e gás que formam o rastro de destruição deixado pelo objeto. Ainda assim, como buracos negros causam graves distorções nas órbitas de estrelas e nas luzes que viajam pelo universo, é muito difícil observar um a partir da Terra sem qualquer ruído ou obstrução.
Para conseguir tirar uma “foto” de um desses, é preciso que todo o caminho entre a Terra e o personagem a ser fotografado esteja livre. É preciso de um telescópio muito grande, quase do tamanho da Terra, para capturar o maior número possível de detalhes de um objeto tão distante e no momento ideal. Basicamente, é como tentar tirar uma foto de uma janela do Palácio do Planalto, em Brasília (DF), a partir do topo de um prédio em São Paulo (SP), por exemplo.
Os buracos negros mais próximos de nós estão muito cobertos por gases, estrelas e sombras que tampam a nossa visão direta sobre eles. O mais próximo e com caminho mais livre (por um curto período de tempo) seria este a 55 milhões de anos-luz da Terra, na galáxia vizinha. E conseguir uma imagem dessas constitui um esforço muito caro, exige um volume de recursos que nem toda entidade de financiamento de pesquisa científica está disposta a gastar sem ter certeza de que obterá resultados.
A imagem que viralizou nesta semana é resultado de um esforço que custou mais de 40 milhões de euros e movimentou mais de 200 cientistas ao redor do mundo, que usaram oito telescópios gigantes em diferentes partes do planeta para capturar dados simultaneamente numa janela de tempo muito estreita. Os pesquisadores juntaram todas essas informações, equivalentes a 5 petabytes de dados (ou 5 milhões de gigabytes), para conseguir formarm a imagem que você vê no topo desta matéria.
E agora? Para que serve a foto de um buraco negro?
A primeira imagem real de um buraco negro prova que Einstein tinha razão, e isso ajuda a dar mais credibilidade à teoria da relatividade geral. Agora, os cientistas podem ter ainda mais certeza de que os cálculos de Einstein estavam corretos e podem usá-los para explicar, com mais segurança, outros fenômenos observados no universo.
De um modo geral, essa imagem é apenas o resultado “visível” de um estudo que durou sete anos. Todas as outras informações coletadas pelo EHT na empreitada servem para que os cientistas possam compreender, cada vez melhor, como funcionam os buracos negros. E entender como funcionam os buracos negros nos ajuda a entender, em última instância, como o universo inteiro funciona.