Mito: asteroide destrói mais de 100 casas e abre cratera de 21 metros

Com base em tudo que já foi divulgado sobre o incidente, é possível afirmar que o fato nada tem a ver com algo vindo do espaço
Liliane Nakagawa13/04/2020 19h07, atualizada em 15/04/2020 02h04

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Por Marcelo Zurita*

Uma das notícias “astronômicas” que mais repercutiram na internet e nos noticiários de todo o mundo nas últimas semanas foi a de um meteoro que havia caído na Nigéria. O feito tinha causado uma explosão que abriu uma cratera de 21 metros e destrui mais de 100 casas da cidade de Akure, região sudoeste do país africano. Entretanto, com base em tudo que já foi divulgado, podemos afirmar que este incidente foi causado por explosivos e nada tem a ver com algo vindo do espaço.

Reprodução Cratera formada em Akure, Nigéria. Fonte: The News Nigeria

Era madrugada de 28 de março na Nigéria. Um caminhão trafegava na estrada que liga as cidades de Akure à Owo. Escoltado por seguranças, ele transportava uma carga de explosivos que seria levado até uma instalação de armazenagem em um estado vizinho. Por volta da 1h da manhã, enquanto passavam pela periferia de Akura, a dois quilômetros do aeroporto da cidade, seguranças e outros agentes notaram uma fumaça vinda do caminhão.

O veículo estava em chamas, e apesar das inúmeras tentativas de contê-las, o fogo tomou conta do caminhão e sua carga, causando uma forte explosão que foi sentida em Akure e seus arredores. A explosão gerou uma enorme cratera de 21 metros que interrompeu a estrada. Uma igreja, uma escola e pelo menos 70 residências em um raio de um quilômetro foram danificadas.

Ao menos 13 pessoas ficaram feridas, mas felizmente, ninguém morreu. Graças à incrível habilidade de fuga desesperada de uma explosão eminente, nem mesmo aqueles que tentavam apagar as chamas foram mortos pela explosão.

ReproduçãoReproduçãoReproduçãoReproduçãoCratera e prédios danificados pela explosão. Fotos: Reprodução/Twitter

Esta foi a versão foi apresentada pelo governador do estado de Ondo, Rotimi Akeredolu,  em uma série de tuítes postados ainda no dia 28 de março. Entretanto, mesmo uma semana após o incidente, a explosão em Akure continua a gerar uma série de controvérsias. E um dos principais motivos é o fato dos nigerianos não confiarem muito em suas principais autoridades.

Alguns autodenominados investigadores voluntários chegaram a cravar: “foi um atentado a bomba do Boko Haram” (grupo terrorista jihadista fundamentalista islâmico sunita de forte atuação na África). Entretanto, eles costumam ser um pouco mais competentes em seus atentados. Não tem o hábito de detonar grande quantidade de explosivos de madrugada em estradas vazias e deixando um total de zero mortos.

Não haveriam muitas dúvidas a respeito do ocorrido. Ao menos, não sobre o fato central de que a explosão teria sido causada por explosivos. Poderia-se questionar alguns detalhes, por exemplo, se os seguranças tentaram realmente conter as chamas ou se partiram logo para o “salvem-se quem puder”. Ou ainda, questionar a origem das chamas. Havia algum fumante no comboio?

Mas tudo mudou de repente quando, ainda na manhã de sábado, chegou ao local o professor de Geofísica e Engenharia Sísmica da Universidade Obafemi Awolowo, Adepelumi Adekunle. Enquanto o Governador Akeredolu orientava a população a deixarem a área devido ao risco de ainda haver algum explosivo enterrado, o professor Adekunle e sua equipe analisaram todo o local do incidente e chegaram a uma conclusão completamente diferente:

“As evidências de campo apontam para a conclusão de que um meteorito oriundo do cinturão de asteroides, viajando no espaço a uma grande velocidade, impactou o local em um ângulo de 43° criando uma cratera e ejetando material na direção sudoeste” – concluiu Adekunle.

Segundo ele, colaboram para suas conclusões o fato de não haver nenhuma evidência de veículo enterrado, nem ter sido encontrado algum tipo de detonador. Sua equipe encontrou fissuras com espessura de 3 milímetros a 4 metros na parede da maioria dos edifícios, mas não na base dos edifícios. A maior parte da destruição ocorreu na parte superior e nos tetos. Também relatam terem encontrado “rochas estranhas e objetos metálicos estranhos” no interior da cratera.

Não importa o quão absurda seja a teoria do professor Adekunle, o quão frágeis são os argumentos frente à enorme quantidade de evidências que a versão oficial sustentava. A mais fantástica das hipóteses foi, de fato, a que ganhou a mídia. E mesmo nas matérias que evidenciavam o absurdo dessa teoria, elas eram usadas para estampar suas manchetes e assim, chamar a atenção do leitor.

ReproduçãoMeteoro registrado sobre o Monte Kilimanjaro, na Tanzânia, em 2010. Créditos: Kwon Chul

Além disso, o impacto desses objetos maiores na atmosfera registra uma onda na rede internacional de infrassom, o qual detecta explosões nucleares na superfície do planeta, como também tem a capacidade de detectar as explosões causadas pelo impacto de pequenos asteroides com a atmosfera. Desde o dia 4 de março, não houve nenhum registro detectado nessa rede.

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Impactos de pequenos asteroide detectados pela rede de infrassom. Fonte: CNEOS/JPL/Nasa em 08/04/2020

Diante de tantas evidências, é impossível sustentar a hipótese de que a cratera em Akure tenha sido provocada pelo impacto de um meteorito. Não sou especialista em explosivos, mas imagino que uma carga capaz de gerar uma cratera de 21 metros e danificar casas a 1 quilômetro de distância, certamente é potente o suficiente para transformar o caminhão que levava os explosivos em um bocado de “objetos metálicos estranhos”, como os encontrados no fundo da cratera. Então, por mais descrédito que as autoridades locais tenham, me parece que a versão oficial é a mais palpável e mais próxima da realidade que se tem até então.

Marcelo Zurita é presidente da Associação Paraibana de Astronomia, membro da SAB – Sociedade Astronômica Brasileira e diretor técnico da Bramon – Rede Brasileira de Observação de Meteoros

Liliane Nakagawa é editor(a) no Olhar Digital