Por Marcelo Zurita*
Nas últimas semanas, árabes, chineses e americanos realizaram os lançamentos de três importantes missões espaciais para exploração de Marte. Isso fez muita gente se perguntar se estaríamos vivendo uma nova corrida espacial com destino ao planeta vermelho.
Mantendo-se as devidas proporções, estamos sim em uma nova corrida, e que promete!
Marte fotografado pela Sonda Viking em 1980. Créditos: USGS
Nos últimos anos, a exploração espacial parece estar passando por uma verdadeira revolução. Impulsionadas pelas novas tecnologias e pelos altos investimentos de capital privado, as agências espaciais resolveram resgatar um velho sonho da humanidade: Marte. E para programar uma longa viagem, nada melhor do que aproveitar uma super promoção de passagens, não é mesmo?
É mais ou menos isso que levou árabes, chineses e americanos a realizarem seus lançamentos para Marte nesse período de menos de 15 dias. Ocorre que a cada 26 meses, Marte entra em oposição ao Sol. Visto daqui da Terra, o planeta vermelho fica na direção oposta ao astro, e é nesse momento em que Terra e Marte estão mais próximos, criando uma janela com condições favoráveis para viagens entre os dois planetas, reduzindo o tempo de jornada e o consumo de combustível.
Viagem entre Terra e Marte aproveitando a janela de lançamento. Fonte: Wikimedia
Mas, calma! Apesar da vida aqui na Terra não andar nada fácil, ainda não é o melhor momento para fugirmos para outro planeta. Talvez isso ocorra em um futuro não muito distante, mas por ora, ainda precisamos aprender mais sobre o planeta, sua atmosfera, seu clima e sobre os segredos do seu passado.
Missão Hope Mars
Os primeiros a utilizar a janela de lançamentos em 2020 foram os Emirados Árabes, com a Missão Emirates Mars, também chamada de ‘Hope Mars’. Os árabes fecharam uma parceria com a Agência de Exploração Aeroespacial Japonesa (Jaxa) para o lançamento, que ocorreu no dia 19 de julho em um foguete H-IIA, a partir da Base de Tanegashima, no Japão.
Impressão artística da Sonda Hope Mars. Créditos: UAE
Em fevereiro do ano que vem, a nave deve realizar a manobra que colocará em órbita de Marte a Sonda Hope Mars, uma espécie de satélite meteorológico com instrumentos científicos para estudo da atmosfera, do tempo e do clima do planeta.
Historicamente e intimamente ligada às Ciências, à Matemática e à Astronomia, a nação árabe será a primeira a liderar uma missão científica planetária com a Missão Hope Mars. Por curiosidade, o nome Hope (na verdade, al-Amal, em árabe) foi escolhido para levar uma mensagem de esperança e otimismo aos jovens dessa etnia.
De acordo com Omran Sharaf, líder da missão, os árabes não tem o objetivo de competir com as grandes potências espaciais, e, sim, de acelerar o desenvolvimento da pesquisa no país. Mas quem sabe a Hope Mars venha também resgatar um pouco daqueles gloriosos tempos em que eram referência na Ciência.
Missão Tianwen-1
No dia 23 de julho, foi a vez dos chineses com a Missão Tianwen-1. Eles lançaram sua primeira missão para o planeta em um foguete Longa Marcha 5, a partir da Base de Wenchang, na China. Ao contrário dos árabes, os chineses tem grandes pretensões em relação ao protagonismo na história da exploração espacial, e a Tianwen-1 mostra que eles não estão para brincadeira.
Impressão artística do módulo de pouso e rover da Missão Tianwen-1. Créditos: CNSA
A missão leva para Marte um módulo orbital, um módulo de pouso e um rover. Ela deve alcançar o planeta vermelho em fevereiro, quando realizará a chamada manobra de inserção orbital, que colocará a sonda em órbita do planeta. Em abril, o módulo de pouso, com o rover a bordo, deverá se separar e realizar uma descida até a Planície Utopia. Essa é a parte mais crítica da missão, mas se der tudo certo, a China será a segunda nação a colocar com sucesso um rover em solo marciano.
O módulo orbital da Tianwen-1 possui seis instrumentos, entre eles uma câmera de alta resolução, um magnetômetro e um espectrômetro mineral, que permitirão, além do imageamento e mapeamento do planeta, obter detalhes sobre o campo magnético e a composição das rochas da superfície. Também há seis instrumentos no rover, incluindo uma estação meteorológica, e um radar capaz de detectar gelo de água no subsolo marciano.
O nome Tianwen, “perguntas aos céus” em tradução livre, é inspirado em um antigo poema chinês, e segundo Liu Tongjie, porta-voz da Missão, a Tianwen-1 deve colaborar para aprofundar ainda mais a compreensão científica humana sobre o planeta. Será um salto tecnológico na exploração do espaço por parte da China.
Lua e Terra fotografadas pela sonda Tianwen-1 a caminho de Marte. Créditos: CNSA
A caminho de Marte, a sonda chinesa já enviou sua primeira imagem: uma foto mostrando Terra e Lua, registrada quando ela estava a 1,2 milhões de quilômetros de distância. Antes disso, a própria Tianwen-1 foi flagrada por câmeras aqui do Brasil, no exato momento em que seus motores eram acionados para realização da “manobra de injeção transmarciana”, o último impulso da nave a caminho de Marte.
Missão Mars 2020
Os últimos a aproveitarem essa janela foram os americanos, que lançaram no dia 30 de julho a Missão Mars 2020, levando para Marte o rover Perseverance. A missão foi enviada em um foguete Atlas V, lançado a partir de Cabo Canaveral, na Flórida.
Impressão artística do Rover Perseverance sobre solo marciano. Créditos: Nasa
Mesmo partindo por último, na verdade, os americanos estão muito à frente nessa corrida para Marte. Até hoje, a Nasa (Agência Espacial Norte Americana) é a única que parece dominar a arte de pousar no planeta vermelho. Sim, essa não é uma tarefa nada fácil, e muitas missões americanas e russas já falharam justamente no momento do pouso.
Se tudo correr como o esperado, o Rover Perseverance deve pousar suavemente em solo marciano no dia 18 de fevereiro. O local escolhido para pouso foi a Cratera Jezereo, onde os americanos poderão estudar, entre outras coisas, o gelo presente no subsolo. Uma das grandes novidades dessa missão é que a Perseverance leva consigo um pequeno helicóptero, chamado Ingenuity, cuja missão principal é testar a utilização desse tipo de tecnologia em Marte.
Além disso, o Perseverance contará com sete instrumentos científicos, que em conjunto poderão ser utilizados para cerca de 60 propósitos diferentes, entre a análise geológica da Cratera Jezero até a busca por sinais de vida no passado. O rover também está equipado para fazer coletas de amostras do solo marciano, que ficarão armazenados até uma missão futura poder resgatá-las e trazê-las para a Terra. O Perseverance possui instrumentos que serão capazes de encontrar e analisar o gelo no subsolo da cratera, enquanto que o Moxie deve gerar oxigênio a partir do dióxido de carbono da atmosfera marciana. A capacidade de produzir água e oxigênio em Marte é de fundamental importância para as pretensões humanas no planeta vermelho.
Missão ExoMars
A nota triste é que atrasos maximizados pela pandemia da Covid-19 levaram ao adiamento do lançamento da Missão ExoMars, programada para ocorrer também em julho deste ano. A missão, fruto de uma parceria entre a Agência Espacial Europeia (ESA) e a Roscosmos, da Rússia, já vinha sofrendo uma série de atrasos desde 2011. Agora teve seu lançamento adiado para 2022, aproveitando a próxima janela de viagens para Marte.
Impressão artística Missão ExoMars. Créditos: ESA
A próxima fronteira da humanidade
Desde que o homem pisou pela primeira vez na Lua em 20 de julho de 1969, Marte se tornou a próxima fronteira da humanidade. Naquela época, inclusive, acreditava-se que esse feito ocorreria um pouco antes, ainda no século século XX, talvez até na década de 80. Mas a conquista da Lua e o fim da Guerra Fria frearam o ímpeto de americanos e russos, que viram os orçamentos de seus programas espaciais sendo drasticamente reduzidos nos anos que se seguiram.
Jornal de agosto de 1969: viagens para Marte são planejadas há várias décadas. Créditos: Folha de São Paulo
Agora, depois de quase 60 anos de exploração humana do espaço, passamos por uma revolução da informática, e nossas tecnologias evoluíram decisivamente, ajudando os seres humanos a levar sondas para mundos distantes e até mesmo para fora do Sistema Solar. Colocamos telescópios em órbita da Terra, construímos satélites e estações espaciais, levando o homem a viver por vários meses no espaço. Parece que enfim, estamos preparados para visitar Marte.
O planeta já foi quente e úmido como a Terra, com água líquida correndo em sua superfície e, provavelmente já teve as condições ideais para abrigar vida, que pode, inclusive, ter sido trazida para a Terra a bordo de meteoritos.
Dessa forma, visitar o planeta vermelho pode até mesmo significar um retorno às nossas origens, e pesquisar a vida pregressa de Marte, talvez no leve a descobrir algum parente distante por lá. A humanidade busca, com esperança e perseverança, as próximas respostas vindas dos céus.
* Marcelo Zurita é presidente da Associação Paraibana de Astronomia – APA; membro da SAB – Sociedade Astronômica Brasileira; diretor técnico da Bramon – Rede Brasileira de Observação de Meteoros – e coordenador regional (Nordeste) do Asteroid Day Brasil