Por Marcelo Zurita*
Mancha estranha no céu de Verê, Paraná. Créditos: Vinícius Ceccon
O que contaremos é uma história que mostra como o pensamento científico pode fazer a diferença no dia a dia das pessoas. O que para muitos provocaria certo medo ou visão assombrosa de um OVNI (Objeto Voador Não Identificado), para o jovem Vinícius Ceccon, 17, despertou o interesse puramente científico, registrando, pesquisando e buscando uma explicação surpreendente para aquilo que havia visto.
Vinícius Ceccon, aluno do curso Técnico Integrado de Nível Médio em Agrimensura, da UTFPR, Campus Pato Branco. Fonte: GEAstro
Tudo começou na noite do dia 22 de junho de 2020. Vinícius estava encerrando uma sessão de fotos do estrelado céu de Verê (PR). Por volta das 23h40, ele percebeu uma estranha mancha, tênue e difusa na direção da Constelação do Corvo. O estudante, que é membro do GEAstro, um grupo de pesquisa e divulgação de Astronomia vinculado ao Campus de Pato Branco, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, sabia que naquela região do céu não havia nenhuma nebulosa ou galáxia. Então, o que poderia ser aquilo que via?
Explicar o que via não seria uma tarefa fácil, mas Vinícius sabia o caminho. E sabia que, antes de tudo, precisaria registrar o que estava diante dos seus olhos, e assim o fez. Pegou a câmera, apontou na direção da mancha desconhecida e começou a fotografar. Fez uma sequência de fotos que foram usadas para fazer esse pequeno timelapse abaixo.
Timelapse da mancha se deslocando no céu. Créditos: Vinícius Ceccon
As imagens em sequência mostraram que o objeto se deslocava no céu em direção contrária às estrelas. Elas seriam suficientes para as explicações da maioria de seus amigos e familiares: “certamente um OVNI”. Mas algo que Vinícius já aprendera no GEAstro e no curso de Agrimensura da faculdade é que sempre se deve questionar e buscar explicações científicas para os fenômenos naturais.
Logo, ele enviou as imagens para os demais membros do GEAstro. Sob orientação da professora Dra. Tina Andreolla, que coordena o grupo, Vinícius analisou as imagens identificando as estrelas e calculando as coordenadas celestes para aquele estranho objeto. Com isso, preparou um relatório científico com suas observações, contendo todas as informações do registro, como equipamentos utilizados, horários, coordenadas do local e do objeto.
Inicialmente, acreditavam se tratar de um cometa. Imagens e o relatório foram enviados para vários astrônomos e instituições da área, entre essas, a Bramon (Rede Brasileira de Observação de Meteoros). E foi a partir daí que o mistério começou a ser solucionado.
Um dos membros da Bramon, que também participa de um grupo internacional de observadores de satélites, e acreditando se tratar da pluma de um foguete, encaminhou as imagens e os dados coletados por Vinícius para a lista de discussão do grupo. A suspeita foi fortalecida pela informação que naquela noite, a China havia feito um lançamento a partir do Centro Espacial de Xichang, cerca de uma hora antes das observações feitas em Verê.
A mesma desconfiança também foi compartilhada por Sergio Sacanni, que havia transmitido este lançamento no dia, e pelo Luzardo Júnior do Gedal – Grupo de Estudo e Divulgação da Astronomia de Londrina, que foi, na verdade, o primeiro a levantar essa possibilidade.
Algumas horas depois, Michael Thompson, especialista em Dinâmica Orbital e Astronáutica da Universidade de Purdue nos Estados Unidos, respondeu ao e-mail confirmando que se tratava do foguete chinês. Mais especificamente, seria a pluma de ventilação do estágio superior do foguete Longa Marcha 3B.
Lançamento do foguete Longa Marcha 3B a partir de Xichang, China em 22/06/2020. Creditos: Xinhua
A ventilação é um processo comum realizados em foguetes após cumprirem sua missão. Nesse processo, o combustível pressurizado do veículo é liberado no espaço de forma a igualar à pressão interna do foguete, evitando futuras explosões. E como esse processo é realizado após o desligamento dos motores do foguete, o combustível pode ser lançado em qualquer direção, inclusive em direção contrária ao seu movimento, como parece ser o caso dos registros no Paraná.
Thompson confirmou a informação utilizando os parâmetros orbitais do foguete medidas 4 horas depois das observações do Vinícius e, segundo ele, o objeto se desloca exatamente no mesmo plano orbital do foguete, com uma diferença de apenas 40 segundos, o que é compatível com a perda de energia nas 4 horas entre a observação e a medição dos parâmetros orbitais do propulsor.
Gráfico mostrando a direção das observações em Verê e a posição do objeto. Créditos: Michael Thompson
Com isso, o objeto voador registrado por Vinícius estava devidamente identificado. O jovem paranaense ganhou uma fantástica história e um excelente incentivo para seguir se dedicando aos estudos, à Ciência e à Astronomia.
* Marcelo Zurita é presidente da Associação Paraibana de Astronomia – APA; membro da SAB – Sociedade Astronômica Brasileira; diretor técnico da Bramon – Rede Brasileira de Observação de Meteoros – e coordenador regional (Nordeste) do Asteroid Day Brasil