Por Marcelo Zurita*
Nas primeiras horas da madrugada de 2 de julho, um grande meteoro foi visto em grande parte da região de Kanto, no Japão. O bólido seguiu com grande luminosidade na direção nordeste e explodiu sobre Tóquio, a maior metrópole do planeta. Apesar do fenômeno ter ocorrido sobre uma das áreas mais populosas do mundo, intrigava o fato de nenhum meteorito ter sido encontrado até então. Mas no início da semana do dia 13, foram divulgadas as imagens dos primeiros meteoritos dessa queda, e os cientistas já começaram a estudá-los.
No Japão, existe uma rede de videomonitoramento de meteoros chamada Sonotaco, que é uma das mais antigas e respeitadas instituições da área. Ao menos 7 câmeras da Sonotaco registraram o fenômeno, e essas imagens foram essenciais para determinação da trajetória do meteoro, velocidade e outras informações importantes. Além disso, duas estações russas da rede internacional de sensores de infrassom detectaram sinais da explosão do bólido na atmosfera. A triangulação desses sinais permitiu calcular que a energia liberada na explosão foi equivalente a 150 toneladas de dinamite.
Com as informações de velocidade e energia total, a IMO (Organização Internacional de Meteoros) concluiu que o objeto que explodiu sobre Tóquio era um pequeno asteroide de cerca de 1,5 metros e pesando em torno de 5,5 toneladas. Simulações realizadas pela Bramon (Rede Brasileira de Observação de Meteoros) indicam que, das 5,5 toneladas iniciais, cerca de 380 quilos da rocha espacial devem ter chegado ao solo na região mais densamente povoada do mundo. Mas mesmo com toda divulgação na mídia e com o excelente trabalho dos japoneses em calcular a área onde possivelmente os fragmentos teriam caído, nenhum meteorito havia sido encontrado em quase duas semanas de buscas.
Trajetória do bólido. Créditos: Sonotaco
Até que, no último dia 13 de julho, o Museu Nacional de Ciência de Tóquio, anunciou que foram encontrados os dois primeiros meteoritos associados ao evento e acabou com o mistério.
A queda
Um morador de um condomínio residencial na cidade de Narashino, região metropolitana de Tóquio, conta que por volta das 02:30 da madrugada do dia 2 de julho, logo depois de presenciar a bola de fogo cortar o céu, ouviu um forte barulho metálico. Pela manhã, ao sair de casa, o morador, que prefere não se identificar, encontrou um pedaço de rocha no corredor do prédio, em frente à porta do seu apartamento. Ele também percebeu que a grade de ferro do corredor estava arranhada e resolveu comunicar o achado ao Museu Nacional de Ciência. Informado a respeito do bólido ocorrido naquela noite e que aquele era provavelmente um meteorito, ele resolveu vasculhar o pátio do condomínio, onde acabou encontrando um segundo fragmento. Os dois fragmentos, pesando 63 e 70 gramas, foram entregues ao Museu Nacional de Ciência que analisou e confirmou que ambos eram meteoritos resultantes da bola de fogo vista naquela noite.
Dois primeiros fragmentos de meteorito encontrados em Narashino. Créditos: Museu Nacional de Ciência de Tóquio
Os meteoritos encontrados no condomínio em Narashino estavam dentro da área de dispersão de meteoritos calculada pela Sonotaco, comprovando a excelência do trabalho dos japoneses e indicando que mais meteoritos daquele bólido devem ser encontrados em breve.
O meteorito
Provisoriamente chamado de Meteorito Narashino, esse pedaço de rocha espacial foi previamente classificado como um condrido-H5, uma classe de meteoritos provavelmente provenientes do manto do Asteroide Hebe, um dos grandes corpos do Cinturão Principal de Asteroides. Condritos-H tem uma concentração de Ferro e Níquel acima da maioria dos meteoritos e isso pode ser facilmente notado nas várias marcas de ferrugem presentes em uma das peças encontradas no condomínio em Narashino.
Na verdade, a suspeita de que seriam meteoritos de classe H, surgiu antes mesmo que eles fossem encontrados. Uma das câmeras da Sonotaco localizada em Tóquio, possui uma filtro que difrata a luz do meteoro como um prisma, gerando um espectro. A análise desse espectro pode determinar a composição do meteoroide e, para o bólido de Tóquio, foi percebida uma alta concentração de Cálcio e Ferro, o que é um indício de um meteorito do tipo H.
Um dos frames do vídeo registrado com espectro em Tóquio. Créditos: Sonotaco
Segundo o Museu Nacional de Ciência de Tóquio, os dois meteoritos se encaixam e parecem fazer parte de um mesmo fragmento que se partiu no impacto com o prédio. O fato de um deles estar mais enferrujado que o outro se deve provavelmente às condições meteorológicas daquela noite. Chovia muito na região de Kanto e certamente o meteorito que foi encontrado na área externa do condomínio deve ter ficado exposto à muita água durante a noite.
Os dois meteoritos encontrados em Narashino encaixados. Créditos: Museu Nacional de Ciência de Tóquio
Origens
A associação entre os condritos-H e o Asteroide Hebe existe devido a uma série de fatores, mas principalmente devido à semelhança geológica entre o asteroide e essa classe de meteoritos. Hebe possui um diâmetro médio de 186 quilômetros, com núcleo ferroso e rochas em sua crosta que ainda preservam os côndrulos (pequenas esferas encontradas nos meteoritos) formados nos primórdios do Sistema Solar. Nas camadas mais internas do asteroide, as variações de temperatura e pressão acabam tornando os côndrulos menos evidentes ou até mesmo fundindo-os em uma massa uniforme. No caso dos condritos-H5, como parece ser o meteorito Narashino, são provenientes de uma camada intermediária do manto, onde os côndrulos são praticamente imperceptíveis.
Definição dos côndrulos nos Condritos-H e as camadas geológicas de onde eles são formados. Créditos: Universidade do Hawaii
Detalhe de um dos meteoritos encontrados em Narashino: côndrulos praticamente imperceptíveis. Créditos: Museu Nacional de Ciência de Tóquio
Acredita-se que impactos violentos em Hebe lançaram no espaço vários pequenos asteroides, oriundos de suas várias camadas, e esses pedaços de Hebe seriam a principal fonte dos meteoritos que chegam na Terra atualmente. Entretanto, imagens tomadas pelo telescópio VLT no Chile em 2017, indicam que o volume das crateras de impactos encontradas no asteroide Hebe corresponderiam a apenas 20% volume total das famílias de asteroides próximas com composição de condritos-H, sugerindo que Hebe pode não ser a única fonte dos condritos-H.
Asteroide Hebe fotografado pelo VLT. Créditos: ESO
Uma forma de tentar determinar a origem do meteorito é a analisando sua órbita antes de atingir a Terra. A partir das análises precisas dos das imagens de suas câmeras, a Sonotaco calculou a órbita do pequeno asteroide que gerou o bólido de Tóquio. E essa órbita se assemelha muito à órbita de 3 asteroides que passam próximo à Terra, 2020 LT1, 2008 WH96, e 2019 NP1. Isso pode indicar que talvez o meteorito Narashino tenha se originado de um desses asteroides. Quanto a origem desses asteroides, aí depende de outros estudos e de outras observações. Logicamente, a cada resposta alcançada, surgirão outras tantas perguntas, e assim a ciência se move, fascinando e motivando os cientistas a estarem sempre em busca de mais respostas.
* Marcelo Zurita é presidente da Associação Paraibana de Astronomia, membro da SAB – Sociedade Astronômica Brasileira e diretor técnico da Bramon – Rede Brasileira de Observação de Meteoros