Astronautas, como qualquer pessoa, estão sujeitos a problemas de saúde – que podem ser agravados pelo fato de que o hospital mais próximo da Estação Espacial Internacional está a mais de 400 quilômetros de distância, e na superfície da Terra. Emergências cirúrgicas serão, inclusive, um dos principais desafios se quisermos experimentar viagens mais longas, para Marte e além.

No início deste ano, por exemplo, foi relatado que um astronauta havia desenvolvido um coágulo sanguíneo potencialmente fatal no pescoço. O coágulo foi detectado durante um estudo vascular em 11 astronautas, para avaliar o efeito da microgravidade na veia jugular interna. A tendência é que o sangue dos astronautas se desloque em direção à cabeça.

O problema foi  tratado com sucesso pelos médicos em terra, evitando a cirurgia. A farmácia da estação espacial possui 20 frascos com 300 miligramas de diluente de sangue injetável, aplicados diariamente até que um medicamento anticoagulante pudesse ser enviado à ISS em uma missão de reabastecimento.

Mas e se os astronautas estiverem distantes demais da Terra para receber novos suprimentos, ou até estabelecer uma comunicação viável? “As emergências cirúrgicas são de fato um dos principais desafios quando se trata de viagens espaciais humanas. Mas, nos últimos anos, os pesquisadores de medicina espacial criaram várias ideias que podem ajudar, de robôs cirúrgicos a impressoras 3D”, afirma a pesquisadora de pós-graduação em Medicina Espacial e Estudante de Medicina do King’s College de Londres, Nina Louise Purvis.

Nasa/Divulgação

O astronauta Andrew Morgan, da Nasa, posa para um retrato com um estetoscópio para exames médicos dentro do módulo de laboratório Destiny dos EUA. Imagem: Nasa/Divulgação

Em um artigo publicado no The Conversation, Nina explica como cirurgias podem ser feitas no espaço, e como a tecnologia pode ajudar a salvar a vida de futuros viajantes espaciais. “Há uma abundância de pesquisas e preparação para o possível evento de uma emergência cirúrgica durante uma missão em Marte, mas existem muitas incógnitas, especialmente quando se trata de diagnóstico e anestesia. Em última análise, a prevenção é melhor que a cirurgia. Portanto, selecionar uma equipe saudável e desenvolver as soluções de engenharia necessárias para protegê-las será crucial”, avalia a pesquisadora.

Orbitando a “apenas” 400 quilômetros acima da Terra, a ISS tem como protocolo para emergências cirúrgicas estabilizar o paciente e transportá-lo de volta à Terra, auxiliado por telecomunicações em tempo real. “Isso não funcionará nas missões de Marte”, conta Nina. O Planeta Vermelho está a 54,6 milhões de quilômetros da Terra, quando mais próximo. “A evacuação levaria meses ou anos, e pode haver uma latência nas comunicações de mais de vinte minutos”, completa.

Uma pesquisa estimou que uma equipe de sete astronautas pode necessitar de uma emergência cirúrgica a cada 2,4 anos durante uma missão em Marte. As principais causas incluem lesões, apendicite, inflamação da vesícula biliar ou câncer. Além disso, esses pacientes já chegam em desvantagem. “Já sabemos que as viagens espaciais alteram as células dos astronautas, a regulação da pressão arterial e o desempenho do coração. Também afeta a distribuição de fluidos do corpo e enfraquece seus ossos e músculos”, conta a pesquisadora.

ESA/S. Corvaja

O astronauta da ESA Tim Peake em um helicóptero de recuperação logo após o pouso. Ele passou 186 dias na Estação Espacial Internacional. Imagem: ESA/S. Corvaja

Cirurgias em microgravidade já foram realizadas, mas só procedimentos simples e nunca em humanos. “Os viajantes espaciais deverão optar por técnicas cirúrgicas minimamente invasivas, através de pequenas incisões usando uma câmera e instrumentos”, avalia Nina. Mas mesmo esses procedimentos apresentam desafios, como sangue grudando nos instrumentos por causa da tensão superficial, risco de infecção pelo ar da cabine fechada e o impacto psicológico de realizar uma cirurgia em um companheiro de equipe.

A pesquisadora em Medicina Espacial sugere a utilização de robôs em determinados casos, uma opção que já foi testada na Terra. “Durante uma série de missões no habitat, a cirurgia robótica foi usada com sucesso para remover uma vesícula biliar e uma pedra nos rins de um corpo falso. No entanto, o atraso nas comunicações no espaço tornará o controle remoto um problema. Idealmente, os robôs cirúrgicos precisariam ser autônomos”.

Para resolver o problema da falta de equipamentos (cada centímetro cúbico em uma viagem espacial é valiosíssimo, então menos é mais), Nina sugere que uma impressora 3D poderia usar materiais da própria missão para desenvolver instrumentos cirúrgicos. “As ferramentas impressas em 3D foram testadas com sucesso por uma equipe sem experiência cirúrgica prévia, executando uma tarefa semelhante à cirurgia simplesmente cortando e suturando materiais”.

Via: The Conversation