Com os constantes estudos para levar o ser humano a Marte, um problema aflige os cientistas: como fazer prosperar a comida durante tanto tempo? Para solucionar esse entrave, um consórcio de sete instituições belgas investiu 6,3 milhões de euros (cerca de R$ 28,5 milhões) em uma forma de viabilizar o plantio de trigo, e, logo, criar a possibilidade de gerar pão em condições inusuais da Terra

O projeto, chamado “SpaceBakery”, será lançado na primeira semana do ano que vem com o intuito de proporcionar o funcionamento da agricultura extraterrestre. Ao longo de dois anos e meios, os resultados devem ser testados. 

“Os primeiros humanos em Marte precisarão produzir a maior parte de seus alimentos. E os especialistas concordam que o alimento básico ideal será o pão”, disse ao Estado de S.Paulo o diretor de pesquisa e desenvolvimento do projeto, Filip Arnaut, da multinacional de panificação Puratos Group. “Isso porque o pão é o item alimentar mais universalmente aceito, e o mais completo e nutritivo considerando suas variedades”. 

A equipe responsável conta com 20 cientistas. Além da Puratos, de Arnaut, o time compõem as Universidades Hasselt e de Gante, a empresa de tecnologias agrícolas Urban Crop Solutions, a companhia de tecnologia Magic Instruments, o grupo de pesquisas biocientíficas SCK-Cen e a empresa de agroalimentos Flanders Food. 

A vila de Groot-Bijgaarden, no subúrbio de Bruxelas, já contém três contêineres instalados para o estudo. A partir de 2020, um quarto se juntará aos demais e, ali, serão reproduzidas condições de cultivo diferenciadas com o intuito de descobrir como as plantas poderiam desenvolver-se em lugares inóspitos. 

Os cientistas disponibilizarão de um sistema que permitirá simular biosferas com características diversas, tudo hermeticamente fechado e controlado artificialmente. Dessa forma, condições climáticas distintas podem ser aplicadas. Além disso, um algoritmo foi desenvolvido para ajudar a otimizar os resultados e minimizar os problemas. 

Também haverá um sistema tecnológico baseado em chips e semicondutores, no qual um robô, que possui inteligência artificial, ficará encarregado de realizar diversas tarefas, como a polinização. O ambiente possuirá iluminação LED, com lâmpadas especiais para favorecer o desenvolvimento das plantas, e irrigação automática. “Um sistema de operações central vai regular as condições o tempo todo. Níveis de temperatura, umidade, dióxido de carbono, oxigênio, nitrogênio, etc”, afirmou Arnaut. 

“A biosfera fechada será um ambiente controlado, mas não imitará o clima de Marte, pois nenhuma planta ou humano poderia sobreviver nessas condições sem proteção. A atmosfera é pequena, há radiação intensa e as temperaturas podem cair abaixo de – 100ºC”, explicou o cientista. “Para viver e cultivar nessas condições, será preciso operar em ambiente hermeticamente fechado, no qual parâmetros como temperatura, luz e atmosfera podem ser ajustados”, concluiu. 

Arnaut revelou que diversas variedades de trigo devem ser testadas, de forma com que se escolha corretamente as ideias para condições extremas. Os quatro contêineres contarão ainda com uma padaria experimental. O trigo será transformado em farinha e, então, alguns aspectos serão testados, como fermentação, preparo da massa e cozimento. O objetivo é obter as melhores conclusões para tornar “o pão do espaço” possível. 

Desafio

O cientista da Nasa, físico e engenheiro brasileiro, Ivair Gontijo, reiterou que a alimentação é uma das principais dificuldades para uma missão espacial de longa duração de tempo. “Os problemas de uma viagem tripulada daqui à Marte são gigantescos”, comunicou Gontijo. “Não temos ainda nem a solução para produzir oxigênio para as pessoas respirarem”, avisou o autor do livro “A Caminho de Marte”. 

Para contornar primeiro o entrave que envolve a respiração dos astronautas, o brasileiro contou que, na próxima missão ao planeta vermelho, que acontecerá em 2020, um novo equipamento será testado. “Um instrumento que deve retirar o dióxido de carbono da atmosfera marciana, quebrar sua molécula e produzir oxigênio”, segundo ele. 

Ainda assim, o principal desafio é a alimentação. “Será uma viagem de nove meses até Marte, outros nove meses para voltar. Considerando a estadia, estamos falando em uma viagem ideal de ao menos 26 meses”, constatou. “Não temos uma solução no momento de como transportar toda essa comida até lá. A ideia é que ao menos parte dela seja produzida a bordo por algum processo de agricultura espacial que ainda tem de ser inventado”, analisou o cientista. 

Via: Estado de S.Paulo