Por Marcelo Zurita*
O astrônomo amador brasileiro Leonardo Amaral, descobriu, no último dia 23 de julho, um cometa a mais 800 milhões de quilômetros da Terra, utilizando um pequeno observatório construído no quintal de sua casa em Bilac, no interior de São Paulo.
A descoberta foi confirmada pela União Astronômica Internacional em uma Circular do Minor Planet Center divulgada em 2 de agosto, colocando no restrito hall de descobridores de cometa, um jovem astrônomo amador, que há apenas 4 anos comprava seu primeiro telescópio.
Leonardo Amaral atualmente trabalha e mora no Rio de Janeiro, mas no dia 23 foi para Bilac, onde sua família tem um sítio, para tentar ver o Cometa Neowise que começava a se tornar visível no Brasil. Depois de ter dado um show no Hemisfério Norte, o Neowise acabou decepcionando muita gente no Brasil.
Naquela noite, Amaral só conseguiu vê-lo muito fraco, por um binóculo, mas sua frustração rapidamente se transformou em euforia quando percebeu um pequeno ponto difuso se deslocando entre as estrelas nas imagens captadas de seu observatório. Parecia já saber que estava diante primeiro cometa descoberto por ele.
Amaral viajou para ver o Neowise e voltou pra casa com seu próprio cometa na bagagem! Não se engane, porém, essa descoberta não foi mera coincidência, e sim consequência de uma grande dedicação a um trabalho sério realizado por ele há alguns anos.
Esforço global para busca de objetos próximos à terra
Desde 2018, Leonardo Amaral participa de um esforço global para buscas por cometas e asteroides próximos à Terra. Esse esforço envolve observatórios profissionais e amadores de todo o mundo e é coordenado pelo Minor Planet Center (MPC), que centraliza e organiza as informações sobre esses pequenos corpos do Sistema Solar.
Para se credenciar junto ao MPC, Amaral investiu pesado na modernização dos equipamentos e softwares do Observatório Campos dos Amarais que ele mesmo havia construído no quintal de sua casa em Bilac. Desde então, realiza observações sistemáticas quase todas as noites, varrendo o céu em busca desses objetos.
OCA – Observatório Campos dos Amarais, Bilac, São Paulo
Para descobrir um asteroide, o observatório faz uma sequência de 3 fotos da mesma região do céu, dando um certo tempo entre uma foto e outra. Se existir nessas imagens algum objeto se movendo em relação ao fundo de estrelas, é feita uma consulta a uma base de dados de asteroides para saber se não se trata de nenhum objeto conhecido.
Caso não seja identificado nenhum cometa ou asteroide conhecido naquela posição, o objeto é reportado para o MPC como uma descoberta. Se o objeto detectado for nítido e pontual nas imagens, ele é reportado como asteroide. Se for registrado difuso, pode indicar a presença de uma coma, o que caracteriza o objeto como um cometa. E foi exatamente isso que o Amaral percebeu na noite de 23 de julho.
A descoberta
Depois de sua frustrada tentativa de observar o Cometa Neowise no início daquela noite, Amaral resolveu ir até o observatório para iniciar uma sequência de busca. Já nas primeiras imagens captadas, ele percebeu o algo se movendo no campo de estrelas. O objeto já lhe parecia meio difuso, impressão essa confirmada pelos amigos Paulo Holvorcem e Cristóvão Jacques. Dessa forma, ele enviou na mesma noite o reporte para o MPC como um possível novo cometa. Mas a confirmação precisou esperar um pouco mais.
Primeiras imagens do cometa descoberto por Leonardo Amaral
A imensa distância em que o cometa está da Terra, cerca de 806 milhões de quilômetros, dificulta a clara percepção da sua coma pelos telescópios de menor porte. E como ele está passando por uma área muito ao Sul no céu, se torna inacessível para os grandes telescópios do Hemisfério Norte. Entretanto, depois de uma série de reportes de observação de coma por observatórios de várias partes do mundo, o Minor Planet Center confirmou a descoberta do Amaral, nomeando oficialmente o cometa como C/2020 O2 (Amaral).
Cometa C/2020 O2 (Amaral) registrado a partir do Observatório El Sauce, no Chile. Créditos: Ernesto Guido
Nomenclatura
Existe uma regra no MPC para nomeação de cometas que leva em conta o tipo de sua órbita, a data de seu descobrimento e o nome do descobridor:
1 – Os cometas chamados “periódicos”, ou seja, que levam menos de 200 anos para completar uma volta em torno do Sol, devem ter seu nome iniciado por “P/”, os demais cometas, iniciam por “C/”.
2 – O prefixo deve ser seguido pelo ano da descoberta, com quatro dígitos, e uma letra representando a quinzena do ano em que o cometa foi descoberto. “A”, para o período entre 1 e 15 de janeiro, “B” para o período entre 16 e 31 de janeiro, e assim por diante. São utilizadas as letras de A a Y, excluindo-se a letra “I” para evitar confusões com o numeral “1”. Assim, após a letra “H” para representar a segunda quinzena de Abril, é usada a letra “J” para representar a primeira quinzena de Maio.
3 – Essa letra deve ser seguida por um número que representa a contagem de cometas descobertos nessa quinzena.
4 – Por último, o “sobrenome” do cometa deve ser o mesmo sobrenome do seu descobridor.
De acordo com essas regras, o nome “C/2020 O2 (Amaral)” indica que o cometa não é periódico, que foi descoberto pelo Amaral, sendo o segundo cometa descoberto na segunda quinzena de julho (letra O).
O cometa
Com base em 63 observações realizadas entre os dias 23 e 31 de julho, o Cometa C/2020 O2 (Amaral) foi classificado como um Cometa Hiperbólico. Cometas Hiperbólicos são oriundos da Nuvem de Oort e foram lançados para o Sistema Solar por algum tipo de perturbação gravitacional. Ao se aproximar do Sol, esses cometas atingem velocidades muito grandes, superiores à velocidade de escape do Sistema Solar. Ou seja, após sua aproximação do Sol, os cometas hiperbólicos são lançados para fora do Sistema Solar, e nunca mais passarão por essas bandas.
Ainda são necessárias novas observações para aprimorar essas informações, mas se for confirmada a órbita hiperbólica, o destino do cometa descoberto por Amaral é ser lançado para fora do Sistema Solar e vagar por milhões de anos através do espaço interestelar.
A órbita do Cometa C/2020 O2 (Amaral), tem uma inclinação de 72 graus em relação ao plano orbital da Terra. Em um ano, quando o cometa atingir sua maior aproximação do Sol, ele ainda estará bastante distante, próximo à órbita de Júpiter. A essa distância, a atividade do cometa é mínima, o que dificultará bastante sua visualização aqui da Terra, mesmo através de bons telescópios. Definitivamente não será um dos mais bonitos nem dos mais badalados. Mas a beleza desse cometa está muito mais na história de dedicação e perseverança por trás do seu descobrimento.
Trabalho, dedicação e perseverança
Desde que comprou seu primeiro telescópio em 2016, Amaral entrou de cabeça na Astronomia. Seu interesse sempre foi de contribuir com a Ciência, mas do Rio de Janeiro onde mora, a poluição e as luzes da cidade complicam bastante esse trabalho. Então, ainda em 2016, ele iniciou a construção de seu observatório no sítio da família em Bilac, no interior de São Paulo. Para poder operar essa estrutura a partir do Rio de Janeiro, Amaral desenvolveu controles automatizados e um sistema de sensores para fechar automaticamente o teto do observatório em caso de possibilidade de chuva.
Em 2017, quando inaugurou seu observatório, chamado de Observatório Campos dos Amarais, ou simplesmente OCA, Amaral já havia instalado lá 3 câmeras de monitoramento de meteoros da BRAMON (Rede Brasileira de Observação de Meteoros). Mas as contribuições dele para a ciência de meteoros vão muito além das câmeras de monitoramento. Amaral participou da equipe de pesquisas de radiantes da BRAMON, onde desenvolveu um software que foi capaz de vasculhar uma base de dados de meteoros e encontrar mais de 100 novas chuvas, uma verdadeira revolução brasileira na área.
Ainda em 2017, Amaral iniciou a adequação do seu observatório para busca de asteroides próximos à Terra. Comprou novos equipamentos, um telescópio maior e um computador mais potente para controlar tudo isso. Ele foi auxiliado por Cristóvão Jacques e Paulo Holvorcem, que têm ampla experiência na área. Holvorcem, por sinal, desenvolve o software SkySift, que processa e analisa as imagens captadas em busca de objetos que podem ser asteroides ou cometas. O software criado por ele já foi utilizado em inúmeras descobertas astronômicas.
Além disso, juntamente com outros astrônomos amadores brasileiros, ele fundou o BRATS – Brazilian Transient Search, um grupo que monitora os céus em procurando por eventos astronômicos transientes, caracterizados por bruscas variações de luminosidade de um astro, provocadas por explosões estelares, erupções de raios gama ou variáveis cataclísmicas, entre outras. Junto com o BRATS, Amaral já descobriu 24 eventos transientes.
Tipos de transientes astronômicos detectados pelo BRATS – Créditos: S. G. Djorgovski/Universidad del Chile
Em fevereiro de 2018, o OCA foi credenciado junto ao Minor Planet Center, e passou a contribuir ativamente para a busca de cometas e asteroides próximos à Terra. De lá pra cá, Amaral já descobriu 6 asteroides, sendo 3 deles que passam próximos à Terra, além de inúmeras contribuições no rastreamento de objetos descobertos por outros observatórios. Faltava apenas um cometa. Não falta mais.
Reconhecimento internacional
Segundo Amaral, a descoberta, acompanhamento e estudo desses objetos são imprescindíveis se a humanidade quiser prosperar a longo prazo. Sabemos que no passado, grandes cometas e asteroides tiveram encontros com a Terra que não terminaram muito bem. Monitorá-los desde já pode ser a única forma de evitar ou minimizar uma futura catástrofe provocada por um grande impacto.
Por isso, ele segue firme em suas buscas, mesmo sendo um trabalho voluntário, feito sem qualquer tipo de incentivo ou investimento governamental. E esse esforço levou o OCA a ser o observatório amador que mais descobriu asteroides no ano de 2019, figurando entre os 10 observatórios mais produtivos do mundo, atrás apenas dos observatórios profissionais, com equipamentos de ponta e que recebem enormes incentivos de seus governos.
E em dezembro do ano passado, veio dos Estados Unidos, o reconhecimento e um enorme incentivo para que esse trabalho continue. A ONG Planetary Society escolheu Leonardo Amaral como um dos vencedores do Prêmio Shoemaker NEO 2019, por suas valorosas contribuições nas pesquisas de objetos próximos à Terra. Junto com o reconhecimento, veio um auxílio de US$ 8.443,00, que Amaral usou para trocar parte do equipamento do OCA. E os resultados já começaram a aparecer!
Leonardo Amaral, vencedor do Prêmio Shoemaker NEO 2019. Reprodução: Planerary Society
Terceiro cometa brasileiro 2020
O C/2020 O2 (Amaral) foi o terceiro cometa descoberto do Brasil em 2020, algo inédito na nossa história e um grande feito para a astronomia amadora brasileira. Os dois primeiros foram o P/2020 G1 (Pimentel) descoberto em 13 de abril e o C/2020 J1 (SONEAR), descoberto no dia 1° de maio, ambos a partir de observações do Observatório SONEAR em Minas Gerais.
Além de OCA e SONEAR, desde dezembro do ano passado, o Brasil conta mais um observatório no esforço para busca por objetos próximos à Terra, o Observatório Discovery de Caruaru em Pernambuco. Juntos e quase que anonimamente, eles contribuem para aprofundar o conhecimento humano acerca desses objetos, protegendo a Terra de um possível impacto que poderia ter consequências devastadoras.
* Marcelo Zurita é presidente da Associação Paraibana de Astronomia, membro da SAB – Sociedade Astronômica Brasileira e diretor técnico da Bramon – Rede Brasileira de Observação de Meteoros