Seu carro sabe mais sobre você do que você imagina

Sistemas de navegação e entretenimento registram, muitas vezes sem que o usuário saiba, dados suficientes para reconstruir o dia-a-dia de um motorista
Rafael Rigues27/12/2019 19h09, atualizada em 27/12/2019 19h12

20190708063523

Compartilhe esta matéria

Ícone Whatsapp Ícone Whatsapp Ícone X (Tweeter) Ícone Facebook Ícone Linkedin Ícone Telegram Ícone Email

Os carros modernos estão cada vez mais informatizados e conectados. Há computadores que controlam a injeção eletrônica, que coletam dados sobre o estado do veículo ou que administram sistemas de navegação e entretenimento. Segundo James Mason, engenheiro norte-americano que trabalha na reconstrução forense de acidentes de trânsito, os sensores de um carro moderno podem, juntos, gerar 25 Gigabytes de dados por hora.

Com tantos computadores e sensores, é de se esperar que os dados coletados possam revelar um pouco sobre um motorista e seus hábitos ao volante. Mas quanto pode ser revelado? Foi o que o jornal Washington Post se propõs a descobrir.

Mason e o colunista de tecnologia Geoffrey Fowler acessaram o computador responsável pelo sistema de entretenimento de um Chevrolet modelo 2017, e o que encontraram foi estarrecedor. Além de um registro completo de todos os locais por onde o carro passou eles também viram identificadores únicos associados aos smartphones dos usuários do veículo e até mesmo dados pessoais, como nomes, endereços, números de telefone e registros de chamada, copiados das agendas dos aparelhos.

Embora o acesso aos dados não seja fácil (Mason e Fowler levaram o carro até uma oficina para desmontar o painel e chegar até o computador), eles são suficientes para reconstruir de forma bastante precisa o dia-a-dia de um motorista.

Fowler também comprou um sistema de entretenimento usado no eBay e pediu a Mason para extrair os dados. Segundo o jornalista, “foi o suficiente para reconstruir as viagens e os relacionamentos de um total estranho no norte de Nova York. Sabemos que ele ou ela ligava frequentemente para alguém listado como “Docinho”, cuja foto também temos. Pudemos ver a localização exata do posto onde compravam gasolina, o restaurante onde comiam (chamado Taste China) e os identificadores exclusivos de seus telefones Samsung Galaxy Note”.

Segundo a GM, fabricante do veículo, “nada é coletado sem a permissão do usuário”, mas muitas vezes a autorização para isso está soterrada em longos contratos cheios de “legalês”, termos jurídicos que até um advogado teria dificuldade para entender.

Fowler admite que não é possível saber quanto desses dados são compartilhados, ou retidos, pelas montadoras, mas indica que elas sabem muito mais do que o que foi encontrado.

A GM tem um app que atribui a cada motorista uma “pontuação” de acordo com seu estilo de direção, o quanto “pisa” no freio, como entra nas curvas ou com que frequência dirige à noite. Estes dados podem ser compartilhados com uma seguradora, se o usuário desejar, e usados para calcular o valor do seguro.

Mason afirma que já viu veículos da Ford que registram a localização a cada poucos minutos, mesmo quando o sistema de navegação não está em uso, e carros europeus com HDs de 300 GB dedicados a armazenar dados coletados pelos computadores.

Felizmente, há formas de se proteger de montadoras “xeretas”. Fowler sugere não usar apps que se conectam ao carro, nem assinar serviços de dados opcionais. Se estiver alugando um veículo, consulte como “zerar” os dados dos sistemas de navegação e entretenimento antes de devolver o veículo. E se estiver comprando um carro novo, peça à concessionária informações sobre os serviços conectados embarcados, e como desativá-los. Ou, em último caso, opte por um carro mais antigo e não conectado.

Fonte: Washington Post

Colunista

Rafael Rigues é colunista no Olhar Digital