A Universidade de Oxford publicou recentemente uma série de estudos sobre “propaganda política computacional”, incluindo um documento (pdf) de cerca de 40 páginas sobre o Brasil. Segundo ele, os bots – sistemas automatizados que imitam o comportamento de usuários em redes sociais – são “determinantes” nos grandes eventos da política brasileira desde 2014.
Como acontece
Essa influência dos bots na política não é exclusividade brasileira. Segundo o Guardian, trata-se de um fenômeno mundial que ajudou a moldar decisões políticas como a eleição de Donald Trump e a saída do Reino Unido da União Europeia. As táticas mais comuns são o uso de contas automatizadas do Twitter e do Facebook que curtem, compartilham ou retuítam mensagens de determinados usuários.
Isso tem o efeito de desvirtuar debates políticos entre usuários humanos e “inflar” números de apoio a determinadas ideias ou pessoas. Com isso, candidatos ou medidas que seriam consideradas inviáveis podem acabar, ilusoriamente, sendo levadas a sério. No estudo referente aos EUA, os pesquisadores ressaltam que “a ilusão de apoio por um candidato pode gerar apoio de fato por meio de um efeito de manada. Trump fez do Twitter o palco principal nessa eleição, e os eleitores prestaram atenção”.
Um pesquisador ouvido pelo Guardian ressalta também que os bots “multiplicam massivamente a habilidade de uma pessoa em manipular outras”. “Imagine que seu amigo chato do Facebook que sempre entra em discussões políticas tivesse um exército de 5.000 bots. Seria muito pior, não?”
Eleições de 2014
A campanha presidencial do candidato do PSDB, Aécio Neves, gastou R$ 10 milhões em bots de Twitter, Facebook e WhatsApp, segundo o estudo. Uma pessoa que trabalhou na campanha disse operar mais de 250 contas diferentes para reproduzir mensagens favoráveis ao candidato e desfavoráveis à sua adversária. O estudo indica que a campanha de Dilma Rousseff também se valeu de bots, mas em escala muito menor, e apenas no Facebook e no Twitter.
Com a derrota do candidato do PSDB, sua campanha continuou a investir nos bots para promover ideias de grupos como “Revoltados ON LINE” e “Vem Pra Rua”, segundo o estudo. Ao mesmo tempo, os bots usados na campanha da candidata do PT foram desativados, ou continuaram a operar sob outras regras, já que agora pertenciam ao gabinete da Presidência.
O resultado disso foi que, no início do mandato de Dilma em 2015, enquanto as mensagens do partido do governo atingiam cerca de 20 milhões de pessoas, as mensagens contrárias a ela chegavam a mais de 80 milhões. O estudo atribui essa diferença ao investimento dos partidos de oposição em bots e contas falsas dedicadas a replicar mensagens contrárias ao governo, operando sob leis muito mais lenientes do que aquelas que regiam as comunicações presidenciais.
A pesquisa ressalta os problemas que leis frágeis em torno do uso de ferramentas digitais em campanhas eleitorais podem gerar. Ela também mostra uma estratégia adotada pela campanha do PSDB, de usar bots do WhatsApp para inflamar outras pessoas a se manifestar pelo Facebook e pelo Twitter. Documentos da campanha do partido indicam, segundo o estudo, que a quantidade de dinheiro necessária para mobilizar grandes quantidades de usuários em diversas plataformas sociais é relativamente pequena.
Impeachment
Após a vitória de Dilma Rousseff, os investimentos da campanha do PSDB continuaram a alimentar as páginas “Revoltados ON LINE” e “Vem Pra Rua”, e se estenderam também aos grupos “Movimento Brasil Livre” e “Movimento Endireita Brasil”. A pesquisa sugere que o uso de bots para repercutir mensagens criadas por esses grupos foi “determinante” para levar milhões de pessoas às ruas em protestos a favor da suspensão de seu governo. Durante os meses de março e abril de 2016, os pesquisadores identificaram um uso intenso de bots no Facebook e no Twitter, tanto a favor do governo de Dilma Rousseff quanto contra.
Um estudo realizado pela USP em protestos contra e a favor do governo mostrou que os dois lados foram pesadamente influenciados por notícias falsas. Entre os apoiadores do impeachment, por exemplo, 64% disseram acreditar que o PT queria implementar um regime comunista; entre os governistas, por outro lado, 57% acreditavam que os EUA estavam investindo nos protestos contra Rousseff para se apropriar do petróleo brasileiro.
Os dois fatos, segundo o estudo, eram “demonstravelmente falsos”, mas ajudaram a mobilizar os manifestantes. “Não há dúvida de que as redes sociais tiveram um papel crucial em criar essa narrativa e organizar os protestos. Os bots tiveram um papel na paisagem online desde o começo, e nunca pararam sua oposição eletrônica à sua administração, possivelmente um fator determinante na agilidade de sua suspensão”, diz o estudo.
Conclusões
O levantamento conclui que a legislação brasileira é insuficiente para lidar com os casos de propaganda política computacional. “Embora a lei proíba qualquer propaganda eleitoral a três meses da eleição, isso é extremamente difícil de se controlar [na era digital]”, diz o documento.
Além disso, ele sugere também que o uso massivo de bots para fins políticos tem continuado ao longo das investigações da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal. E ressalta que “propaganda política computacional terá um papel ainda maior nas eleições nacionais de 2018”.
Outro dado interessante levantado pelo documento é o de que a agência de consultoria política responsável pelas campanhas bem-sucedidas a favor de Donald Trump e da saída do Reino Unido da União Europeia está investindo no Brasil, tendo aberto um escritório em São Paulo.