A parede repleta de livros ao fundo foi o cenário que o neurologista islandês Kári Stefánsson escolheu para falar com o Olhar Digital. O tema? A pandemia do novo coronavírus e a estratégia usada pela Islândia para controlar a epidemia de covid-19.

Depois de se formar em medicina em Reykjavik, a capital islandesa, Stefánsson foi para os Estados Unidos e atuou lá por mais de uma década. Primeiramente, escolheu Chicago para se especializar. Depois, foi para Boston e deu aula na Universidade de Harvard.

Quando voltou para Reykjavik, o médico fundou a deCODE genetics, uma empresa de biotecnologia especializada no genoma humano. E foi assim que ele se envolveu no combate à pandemia de covid-19 na pequena ilha do hemisfério norte: sua empresa foi responsável pela aplicação de pelo menos 80% dos testes para detectar o novo coronavírus na população local.

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Stefánsson diz que a estratégia da Islândia foi simples. Era, basicamente, um tripé: aplicação massiva de testes, isolamento dos infectados e agilidade no monitoramento dos contatos dos doentes para garantir que eles se mantivessem em quarentena.

Os testes usados na ilha foram do tipo RT-PCR. Esses exames detectam se o vírus ainda está presente no organismo do infectado. Conhecidos como testes padrão ouro, eles são recomendados pela Organização Mundial da Saúde.

Esses exames identificam os contaminados, não quem já passou pela doença e adquiriu anticorpos. Isso faz toda a diferença no processo de contenção da disseminação: quando se encontram os doentes, é possível agir antes que eles transmitam a infecção para outros.

Stefánsson diz que não foi muito fácil comprar os testes. A equipe teve de procurar os insumos em diferentes fornecedores. No fim, os exames vieram dos Estados Unidos e os swabs, os cotonetes usados na coleta de material, da China.

Os testes foram aplicados em 16,7% dos residentes do país. Segundo Stefánsson, essa é a maior proporção de testagem em um país em todo o mundo. Ele conta que aplicar os exames nesse percentual da população foi suficiente para dar os insights apropriados sobre o que estava ocorrendo.

No momento, a Islândia tem um cenário bastante favorável. No decorrer deste mês, foram diagnosticados apenas cinco indivíduos com covid-19 no país. Isso quer dizer que a epidemia está controlada por lá.

Stefánsson explica que o plano só deu certo porque a Islândia tem infraestrutura para executá-lo. Qualquer país que tenha essa capacidade e que possa usar métodos tecnológicos, como aplicativos de celular, para rastrear os contatos dos infectados, pode adotar o mesmo princípio. E daria certo no Brasil?

Na Islândia, o combate ao novo coronavírus não envolveu medidas de lockdown. As escolas primárias continuaram abertas, os postos de saúde foram mantidos em funcionamento e o atendimento comercial continuou normalmente.

Melhor esperança é a vacina

O médico explica que, hoje, a melhor esperança é o desenvolvimento de uma vacina efetiva. Existem muitos exemplos de como doenças infecciosas foram erradicadas com o uso de vacinas.

A elaboração desse tipo de medicamento é bastante complexa e passa por muitas etapas para verificação de efetividade e segurança. Por isso, eles demoram muito para ficar prontos. Para a covid-19, no entanto, Stefánsson acredita que podemos ter uma solução ainda em 2020.

Para chegar a esse resultado, o esforço tem vindo de todas as partes do mundo. E é justamente por isso que deve dar certo: a colaboração internacional, muito mais do que a evolução tecnológica, é a chave para o sucesso dessas pesquisas.

Stefánsson alerta para a possibilidade de futuras pandemias. Ele lembra que a História tem muitos episódios semelhantes. Um dos mais dramáticos deles, inclusive, foi a Gripe Espanhola, que aconteceu há apenas 102 anos.

O médico diz que a pandemia atual deu ao mundo a oportunidade de pensar em como lidar com essas situações. E reforça que é preciso aumentar a colaboração internacional e o monitoramento de doenças infecciosas, bem como ter um plano padronizado de como lidar com essas ocorrências nas várias nações do mundo.