Um estudo publicado nesta quarta-feira (15) na Revista Nature, deu mais um passo na elucidação do porquê, no universo, existe muito mais matéria do que antimatéria. Dados coletados entre 2009 e 2018 pelo projeto japonês T2K apontam que, diferente de outras partículas, neutrinos e antineutrinos oscilam de maneira diferente – o que pode ser uma pista para resolver esse mistério.

Astrônomos acreditam que, quando o universo nasceu – há quase 14 bilhões de anos – havia uma quantidade igual de matéria e antimatéria. Partículas de antimatéria têm a mesma massa que seus parentes “normais”, mas cargas elétricas opostas. O pósitron com carga positiva, por exemplo, é a antipartícula para o elétron com carga negativa.

As partículas da matéria e da antimatéria são sempre produzidas em par, e se entrarem em contato, se aniquilam, deixando para trás somente pura energia. É por isso que motores de matéria e antimatéria são alguns dos acessórios indispensáveis em naves estelares da ficção científica.

Durante as primeiras frações de segundo após o Big Bang, o universo fervilhava com pares de partículas e antipartículas entrando e saindo da existência. Mas se matéria e antimatéria são criadas e destruídas juntas, o universo não deveria conter nada além da energia restante. O que aparentemente não é o caso, já que estamos aqui.

European Space Agency and Wolfram Freudling (Space Telescope-European Coordinating Facility/European Southern Observatory, Germany)

Há décadas essa questão está em aberto no meio científico. Em 1964, pesquisadores descobriram que quarks e antiquarks não se comportam exatamente da mesma maneira. Mas essa violação da “simetria de conjugação de carga e inversão de paridade” (ou simetria de CP, para os íntimos) não é substancial o suficiente para explicar a disparidade entre matéria e antimatéria.

A chave poderia estar num mecanismo conhecido como leptogênese: o processo hipotético que produziu uma assimetria entre léptons (uma categoria que inclui elétrons, múons, partículas de tau e neutrinos) e antiléptons no início do Universo, resultando na dominância atual da partícula de matéria. A descoberta de uma violação substancial de PC forneceria fortes evidências da leptogênese como a origem do desequilíbrio matéria-antimatéria.

A violação de PC leptônica é difícil de ser medida, mas possível usando neutrinos. Essas partículas fundamentais são notavelmente relutantes em interagir com a matéria comum, dificultando sua detecção. As chamadas “partículas fantasmas“, porém, são abundantes: uma caneca de café contém cerca de 100 mil neutrinos “frios” que permeiam o Universo.

Os neutrinos vêm em três “sabores”, determinados pelo lépton carregado associado à partícula, seja um elétron, um múon ou uma partícula de tau, que oscilam entre si. Só em anos mais recentes, pesquisadores puderam observar oscilações de neutrinos de múon a neutrinos de elétrons. Se nessa mudança, a simetria de PC for conservada, a probabilidade de oscilação para a conversão de nêutrons de múon em elétron seria a mesma da conversão de antineutrinos de múon em elétron .

No projeto T2K, um feixe de neutrinos foi gerado em um acelerador de partículas em Tokai, no Japão, e viaja 295 km por baixo da terra até o Observatório Kamioka, no Monte Ikeno, onde encontra um detector construído com 50 mil toneladas de água ultrapura e sensores de luz. Quando um neutrino interage com um nêutron na água, ele pode produzir um múon ou um elétron, dependendo do seu “sabor”.

Observatório Kamioka

O experimento detecta os múons e elétrons e discrimina entre eles, identificando assim o sabor do neutrino que colide no tanque, medindo a probabilidade de oscilação da conversão de neutrino em múon a elétron. Os pesquisadores reuniram essas informações e encontraram evidências de violação de PC em um nível de confiança de 95%.

“Esses resultados podem ser as primeiras indicações da origem da assimetria matéria-antimatéria em nosso universo”, avaliam as físicas Silvia Pascoli e Jessica Turner, da Universidade de Durham. Os resultados em si, porém, não são uma demonstração convincente de violação da PC com neutrinos e antineutrinos.

“A medição é inegavelmente emocionante. Porém, reivindicações extraordinárias precisam de evidências extraordinárias – será necessário um nível de confiança superior a 99,9999% para garantir a ocorrência de violação da PC leptônica. Isso requer uma medição mais precisa da probabilidade de oscilação, com feixes mais intensos, detectores maiores e características experimentais mais bem compreendidas”, completam as cientistas.

Mesmo assim, o autor principal do estudo, Atsuko Ichikawa, da Universidade de Kyoto, está empolgado. “O resultado atual é um passo importante para observar a violação de PC. Dar o próximo passo exigirá mais dados, mas vários experimentos de neutrinos já estão em andamento”, completa.

Via: Space.com/Nature