Quando pensamos na crítica, há ainda a questão do especialista, uma questão pouco discutida ou mesmo pensada. Não há nada mais contrário a uma ideia formalista da crítica que a figura do especialista, aquele que se concentra em uma única questão ou em um único gênero, período ou cinematografia.

Isso não significa que a crítica, como bem disse Robin Wood, não possa se apoiar no trabalho de especialistas para desenvolver suas ideias. Nem que o trabalho deles seja nocivo ou mesmo pouco útil ao cinema. Significa apenas que eles devem ser vistos com maior cautela, porque normalmente estão em outra vertente, a acadêmica, o que envolve outras regras.

Há os especialistas autodidatas, que fazem suas pesquisas fora do âmbito universitário. Esses costumam ser mais apaixonados, carregando em suas pesquisas muito do que também move a crítica, e por isso se abrem com igual vigor a campos fora do ramo de especialidade. Claro que existem acadêmicos apaixonados também; e, por outro lado, especialistas autodidatas que só se interessam pelo próprio ego. A academia pode nos forçar ao automatismo da recolha de dados, e a servidão ao próprio ego pode nos desviar de um caminho mais salutar.

Mas há um problema maior na aproximação entre especialistas e críticos, que é o da autoridade. Um especialista em faroestes não é necessariamente uma autoridade crítica em faroestes e geralmente encontra dificuldades para se virar com filmes de outros gêneros, assim como o especialista em cinema iraniano tem poucas condições (a não ser que não durma e não tome banho) de pensar panoramicamente e identificar de que maneira o cinema sobre o qual se debruça dialoga ou se diferencia com o de outros países.

Parece-me que há uma clara dificuldade do especialista, geralmente um pesquisador acadêmico, de conseguir entender a crítica de cinema como crítica de arte, a da formação Cahiers du Cinéma – André Bazin, ou seja, que envolve (não exclusiva, mas decididamente) um estudo da forma. Simplesmente porque o crítico de cinema é um crítico de arte. Sua especialidade, no caso, é cinema, não uma parte do cinema, mas o todo, o que faz a maravilha da arte desde o seu nascimento, passando por todas as suas manifestações e procurando estudar a história dessa arte.

E aí o especialista vai funcionar para a crítica mais ou menos como o historiador ou o sociólogo. Ele vai contestar as palavras presentes na crítica segundo o filtro de sua especialidade, que pode não ter nada a ver com a questão estética das obras.

Há ainda uma questão, não menos importante. Se a forma é “una”, como dizia Élie Faure, o especialista em horror pode ter dificuldade em notar que por trás dos vários códigos de seu gênero de preferência estão procedimentos formais que podem ser comuns a outros tantos gêneros, e que dentro deles o seu diretor de cabeceira pode não ter se saído tão bem quanto um diretor de uma comédia romântica, que opera os mesmos procedimentos em um outro registro.

Por procedimentos, não penso em sustos amplificados por um estrondo sonoro, pelas sombras que escondem monstros ou pelo andar carregado do vilão em perseguição a uma jovem que tropeça, artifícios comuns a muitos filmes de horror. Falo de tempos (duração de cada plano, demora para surgir o corte, ou o corte que surge inesperadamente), distâncias (entre atores e atrizes e a câmera, entre objetos de cena e os limites da tela e entre os objetos e os atores e atrizes), espaços (delimitados pelo enquadramento escolhido), mobilidade da câmera (ou sua posição estática), que pode promover uma alteração do espaço.

Esclarecidas as diferenças, podemos aprender e sentir prazer lento tanto o trabalho de especialistas quanto o de críticos, desde que ambos entendam que um não é autoridade em relação ao outro.

* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema