“Troco em Dobro”, de Peter Berg, com esse nome brasileiro que mais parece um genérico de qualquer coisa produzido nos anos 1970 do que algo que seja lançado em 2020, fala da corrupção entranhada nas corporações americanas, em especial, na polícia de Boston. O curioso é que um dos roteiristas é justamente Brian Helgeland, diretor de “O Troco”, com Mel Gibson.

O sistema capitalista faz com que qualquer instância dominada pelo dinheiro ou pelo poder seja manchada pela corrupção. Dai que não faz sentido clamar pelo fim da corrupção e não clamar pelo fim do capitalismo, uma vez que as duas coisas estão sempre interligadas (o que não anula, infelizmente, a enorme incidência de corrupção em outros sistemas econômicos também.

A corrupção policial é um tema quase tão antigo do cinema americano quanto o próprio filme policial, mas atingiu seu auge na década de 1970, quando Sidney Lumet começou sua elogiadíssima tetralogia sobre a corrupção policial (“Serpico”, 1973, “O Príncipe da Cidade”, 1980, “Q & A”, 1990, “Sombras da Lei”, 1997). “Serpico”, por sinal, é literalmente citado no clímax de “Troco em Dobro”. Apesar disso, Berg mostra mais uma vez que está muito longe de poder ser comparado a Lumet.

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Dá para entender que seu filme não é para ser levado muito a sério, principalmente da metade para o fim, quando soluções “Skooby-Doo” se acumulam em doses enjoativas. Mas só assim conseguimos acompanhar sem muito sacrifício o andamento da narrativa, sobre um ex-policial chamado Spencer (Mark Wahlberg) que pretende inocentar um velho colega da acusação de crime com posterior suicídio, e assim limpar sua honra perante a viúva e seu filho pequeno.

Mas há também as soluções simplórias, como a de fazer um clímax que está muito mais para uma comédia de erros do que para um desfecho de filme policial (por que Spencer tomaria decisões tão ruins, afinal?).

O padrão Netflix tende a tirar o estilo de diretores. Fez isto com o bom Alfonso Cuarón e com o excelente Martin Scorsese, atenuando um pouco as marcas autorais desses diretores. No caso de “Troco em Dobro”, isso até que faz bem, pois a afetação de Berg é um pouco diminuída pela busca de uma média estilística, fazendo com que a trama ridícula até nos divirta por alguns momentos, antes de a esquecermos por completo algumas horas depois.

 

* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema