Em 1987, um lenhador chamado Walter McMillian (Jamie Foxx), também conhecido como Johnny D., é condenado à morte pelo assassinato de uma jovem de 18 anos. Não foi ele quem a matou, mas ele é negro, e vive numa região absurdamente racista dos EUA, o estado do Alabama. Dois anos depois, o recém-formado advogado Bryan Stevenson (Michael B. Jordan) cruza o caminho de Walter e luta para libertá-lo da sentença fatal, uma luta que se estenderá por algum tempo.

Esse é o enredo de “Luta Por Justiça”, terceiro longa de ficção dirigido por Destin Daniel Cretton, e de longe o mais ambicioso de sua carreira, a começar pela duração (2h19min. contra os cerca de 90 minutos dos outros longas). O longa estreou em várias cidades brasileiras em 20 de fevereiro, e ainda está em cartaz na maioria delas.

Somos informados logo no início que trata-se de um filme baseado em uma história real. Isso, que fique bem claro, não diz nada a respeito de sua qualidade cinematográfica, apesar do aviso soar meio como uma chantagem. Sabemos que o racismo é uma das maiores doenças da humanidade, e que contamina os mais altos cargos do judiciário, mesmo no início dos anos 1990, quando surge uma possibilidade de ir a novo julgamento, mesmo hoje, quando Trump é reeleito com discurso racista.

Tudo isso nos é servido sem meias tintas. Toda a monstruosidade do sulista americano é vomitada a tal ponto que saímos do cinema revoltados, querendo lutar contra o racismo. Esse é o objetivo do filme, e quando acontece de um filme deixar tão clara uma mensagem, geralmente a força do tema (e da mensagem) sobrepõe qualquer movimento de fazer cinema. Ou seja, assume-se que não importa o modo como se filma, o tema deve carregar o filme sozinho.

Não é o que acontece com este longa. Caminhando o tempo todo na corda bamba, resvalando por vezes na mão pesada para fazer o espectador se sensibilizar, ainda assim Cretton se sai dignamente bem no balanço final, alternando um estilo mais acadêmico com alguns insights observacionais e um ou outro momento de câmera ligeira, refletindo o desespero dos convictos e familiares.

Se é difícil tratar de um grande tema com preocupação dramática e sem prejudicar os elementos cinematográficos em jogo, “Tudo Pela Justiça” é um filme que venceu o desafio. E o faz com a sabedoria de que muitas vezes só é possível fazer justiça mexendo com a consciência de homens brancos que detêm algum poder. Como diz o herói Bryan em 1993, isso precisa mudar. 17 anos depois, podemos dizer o mesmo. Isso precisa mudar.

 

* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema