Um policial do interior, Stéphane Ruiz (Damien Bonnard) vai a Paris para trabalhar na unidade anticrime que atua na periferia. Logo descobre que os modos de seus parceiros, principalmente do líder, Cris (Alexis Manenti), são rudes e preconceituosos. Percebe também que a falta de diálogo gera uma pressão na comunidade e a tensão represada está prestes a explodir.
Essa é a trama de “Os Miseráveis”, longa francês dirigido pelo maliano Ladj Ly. O filme não tem nada a ver com a famosa obra de Victor Hugo, a não ser por duas citações textuais, uma das quais encerra o filme.
A realidade da periferia de Paris não é muito diferente da de qualquer grande cidade brasileira. Talvez seja menos violenta. Mas o diretor está interessado em explorar a tensão nessas comunidades e a forma como o diálogo e a educação se impõem como as únicas armas possíveis contra o crime e a brutalidade.
Sua preocupação está menos em demonizar o trabalho da polícia do que em mostrar que numa briga de pessoas que querem ser surdos ninguém tem razão. A polícia é representada por três homens de variadas atitudes. Há o bruto (Cris), o indeciso (Gwada, vivido por Djibril Zonga) e o consciente (Ruiz). Por vezes essas instâncias se misturam. São os momentos mais fortes do filme, quando tudo fica mais nebuloso e não sabemos como irão reagir os policiais e os demais moradores do bairro às tensões que começam a crescer.
Tudo parece se encaminhar para o momento em que as tensões represadas irão finalmente explodir. E é nesse momento que o diretor mostra pulso e não deixa que seu filme saia dos trilhos pelo apelo da violência catártica.
Talvez o endeusamento com que o filme tem sido recebido pela crítica (a brasileira sobretudo, mas não só) seja exagerado. Mas é fato que estamos diante de um longa invulgar, que se desenrola com uma facilidade estonteante (piscamos e já deu uma hora de filme), assinado por um diretor que, em seu primeiro trabalho, já revela habilidade de veterano.