Dmitry Itskov, um bilionário russo de mídia da internet, fundou a 2045 Iniciative, uma organização que trabalha com uma grande rede de cientistas e pesquisadores para tornar possíve, nos próximos 30 anos, transferir os cérebros das pessoas para corpos robóticos, nos quais elas poderão continuar vivendo.

O processo, que Itskov chama de “transferência de personalidade”, faria com que toda a mente da pessoa fosse transferida para um androide. Na etapa final do projeto, segundo o Telegraph, a personalidade poderia ser transferida para um holograma com a aparência, e as memórias, da pessoa.

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Apesar de se tratar de um projeto extremamente ambicioso, Itskov – que é protagonista do documentário The Immortalist, que estreará na BBC 2 amanhã – está certo de seu sucesso. “Estou 100% confiante de que vai acontecer. Se não, nem teria começado o projeto”, disse ele à rede britânica.

Download do cérebro

O diretor científico da 2045 Iniciative, Randall Koene (que também é professor-pesquisador do Centro da memória e Cérebro da Universidade de Boston), acredita que os planos de Itskov são realizáveis. “Todas as evidências parecem dizer que, na teoria, é possível – é extremamente difícil, mas é possível”, disse. 

A possibilidade a que Koene se refere está enraizada no nosso entendimento de como o cérebro funciona. O cérebro é composto por cerca de 86 bilhões de neurônios, que trocam informação entre si por meio de impulsos elétricos. Trata-se, de fato, de um processo semelhante ao que move alguns computadores – tanto que já existem pesquisas que tentam criar processadores com neurônios.

Em outras palavras, assim como um computador, o cérebro recebe informações (nossos sentidos), processa-os (nosso pensamento) e devolve ações (nosso comportamento). Portanto, se esse processo pudesse ser mapeado, o cérebro poderia ser copiado para um computador, junto com a informação contida nele. 

Essa é a opinião do neurocientista Ken Hayworth. “Da mesma forma que meu computador é apenas o conjunto de 1s e 0s do meu HD, e eu não me importo com o que aconteça contanto que esses 1s e 0s cheguem ao próximo computador, deve ser a mesma coisa comigo [com meu cérebro]”, opina.

Haywoth acredita que a chave para o sucesso do procedimento é mapear o conectoma – a rede de todas as conexões entre neurônios – pois nele estarão contidos todos os “1s e 0s” da nossa mente. “Não me importo se meu conectoma está implementado nesse corpo físico ou em uma simulação computadorizada que control um corpo robótico”, diz. 

Consciência

Mas Hayworth admite também que mesmo essa possibilidade ainda é distante. “Nós estamos lamentavelmente distantes de poder mapear um cérebro humano”, afirma. “Mapear o cérebro de uma mosca levaria cerca de dois anos. A ideia de mapear um cérebro humano com a tecnologia que temos hoje é impossível”.

Também ainda não está claro se a transferência de todos os dados contidos no cérebro para outra entidade geraria,, realmente, outra mente e outra consciência. Segundo o neurobiólogo professor Rafael Yuste, da Universidade de Columbia, “o desafio é precisamente como nós partimos de um substrato físico de células que se conectam nesse órgão [o cérebro] e chegamos no nosso mundo mental, nossos pensamentos, nossas memórias, nossos sentimentos”.

Yuste ajudou a criar a Brain Iniciative, um programa de pesquisa que conta com US$ 6 bilhões em fundos. O objetivo principal da iniciativa é ajudar a tratar doenças degenerativas como o mal de Alzheimer, e para isso os pesquisadores buscam uma maneira de “medir todos os picos de todos os neurônios simultaneamente”.

O programa já conseguiu realizar isso com um pequeno animal invertebrado chamado hidra. Os pesquisadores, no entanto, embora se animem como o sucesso, reconhecem que “não sabemos dizer o que esses padrões significam. Então é meio como ouvir uma conversa numa língua estrangeira que você não entende”. O plano do programa é conseguir mapear um cérebro de rato nos próximos 15 anos; cérebros humanos, portanto, ficariam para bem depois.

Múltiplos corpos

De acordo com o Independent, a transferência de sua mente para um computador ou corpo robótico é apenas o primeiro passo na visão de Itskov. Ele diz se imaginar tendo múltiplos corpos de formas diferentes, vivendo ao mesmo tempo na Terra e no espaço enquanto sua consciência muda de um para o outro.

Mas o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, que trabalha na Duke University, é menos otimista com relação ao projeto. “Você não consegue codificar intuição; você não consegue codificar beleza estética; você não consegue codificar amor ou ódio”, opina. “Não há maneira de se reduzir um cérebro humano a um meio digital. É simplesmente impossível reduzir essa complexidade ao processo algorítmico que você precisaria ter para fazer isso”.

Bioética

Outro aspecto que pode impor restrições ao projeto de Itskov é a discussão ética. “Se você pudesse replicar a mente e fazer o upload dela para um material diferente, você teria a possibilidade de clonar mentes”, diz Yuste. “Essas são questões complicadas, porque elas lidam com o núcleo da definição do que uma pessoa é”, opina. “Eu colocaria o upload de mentes numa lista de questões que precisam ser muito cuidadosamente discutidas”.

Itskov, por sua vez, não parece se preocupar. “A opinião que o Dalai lama me deu quando eu o visitei em 2013 é que você pode fazer tudo que quiser se a sua motivação for ajudar as pessoas”, diz. Talvez se eles assistisse ao filme Ghost in the Shell ou jogasse o jogo SOMA – criações culturais que abordam os riscos dessa possibilidade – ele fosse mais cauteloso em suas convicções.