Recentemente incluído no catálogo da Netflix, ‘Os Embalos de Sábado à Noite’, de John Badham, não é bem (ou não é só) aquele veículo para John Travolta mostrar seus dotes de dançarino, como as pessoas normalmente pensam ao lembrar do filme. É, na verdade, uma das radiografias mais angustiantes do mal-estar da sociedade americana nos anos 1970, dentro de um espírito que deve aos arroubos críticos e contestadores da Nova Hollywood de filmes como ‘Taxi Driver’ (Martin Scorsese, 1976), ‘Shampoo’ (Hal Ashby, 1975), ‘O Fantasma do Paraíso’ (Brian De Palma, 1974) ou ‘A Conversação’ (Francis Ford Coppola, 1974).

Claro que a febre disco está muito bem representada pela música dos Bee Gees e pelas generosas cenas de dança, incluindo um momento mágico de coreografia da turma de Travolta durante o sucesso “Night Fever”. Mas há também no filme o lado sombrio dos EUA naqueles tempos, o clima de decadência moral de um modo de viver.

Retomando: em 1977, ano em que o filme foi finalizado e lançado, o país já tinha passado pelo fracasso militar da Guerra do Vietnã, pelo fracasso econômico amplificado pela crise da OPEP de 1973 e pelo fracasso moral do escândalo de Watergate, que provocaria a renúncia do presidente Richard Nixon em 1974. Nesse contexto, catalisador também de um fortalecimento da direita católica que daria na eleição de Ronald Reagan no início da década seguinte, as artes ainda respiravam um pouco do clima contestador dos anos 1970.

E pelas ruas do Brooklyn se move Tony Manero (Travolta), trabalhador humilde de uma loja de tintas que brilha à noite dançando ao som da disco music. De fato, não é tanto o filme que se beneficia da febre disco, pois esta se concentrava, à época de sua produção, mais no Brooklyn do que nos centros das grandes cidades. Foi o filme, aliado ao sucesso incrível de sua trilha sonora, lançada pouco antes, que fez o fenômeno acontecer em Manhattan e nos outros grandes centros do país. 1978 será o ano da disco muito por causa desse filme.

Mas Tony Manero não encontra apenas alívio nas noites de dança. Ele também descobre sua necessidade de ir para Manhattan para se tornar alguém de respeito, percebe que seus amigos são preconceituosos e fracos moralmente, vê sua antiga namorada ser estuprada por todos eles e reage apenas com constrangimento em seu rosto e observa um de seus amigos se suicidando acidentalmente (a ideia está no filme, dita pelo próprio Manero). Ou seja: é um filme barra pesada. Tão pesado que os estúdios lançaram, ano e pouco depois, uma versão cortada e destinada para um público mais amplo. Já se percebia que não dava para ganhar muito dinheiro apostando em filmes adultos.

Felizmente, é a versão integral que o espectador poderá conferir na Netflix. ‘Os Embalos de Sábado à Noite’ é o melhor filme de John Badham, um desses diretores que se beneficiaram de uma situação favorável (a Nova Hollywood e suas liberdades temáticas) e caíram na década seguinte, quando os rumos de Hollywood voltaram-se novamente às fórmulas de sucesso fácil.