É interessante a estratégia da DC. Cansada de bater de frente com a Marvel, entregando produções que diferiam, mas não muito, das produções do UCM, a DC Entertainment aposta, em companhia da Warner, ainda mais no humor (com Shazam) e no prestígio, com Coringa, para avançar algumas casas em uma corrida paralela, não mais em disputa com o império Marvel/Disney.

A estratégia por enquanto está dando certo, uma vez que Coringa volta às Américas com o prêmio máximo de Veneza embaixo do braço. Isso é muito mais do que pode almejar qualquer filme do Universo Cinematográfico Marvel. Os executivos deste último podem até indagar: “E daí?”, enquanto sacam seus cheques cheios de zeros. Mas no entretenimento também vigora, ainda que bem menos, a ideia de que vale, e muito, ser admirado intelectualmente, e não só seguido cegamente por fãs. 

Os Rolling Stones só se tornaram grandes porque se apresentaram como a antítese dos Beatles, em vez de copiar terninhos e franjinhas buscando a mesma fatia de público. A rivalidade se fortaleceu na segunda metade dos anos 1960 nessas bases, com uma banda entregando sexo e sujeira e a outra erudição e invenção, sempre, claro, sob o signo do rock.

Como já dissemos nesta seção, a aposta em um ator/autor como Joaquin Phoenix, ou seja, em um ator capaz de transformar um filme em algo seu, já indicava uma intenção diferente da DC. Todd Phillips embarcou na empreitada com esse mesmo espírito. Segundo suas palavras, conforme publicado no site Omelete, “Você quer torcer para este cara, até chegar o ponto em que você não consegue mais torcer para ele”. O que remete ao tipo de filme que era feito nos anos 1970, algo como Dirty Harry – Perseguidor Implacável (1971), em que o policial interpretado por Clint Eastwood vai se revelando tão contaminado pelo mal que o diretor, Don Siegel, promove o afastamento do espectador em relação ao personagem numa cena de tortura, em que a câmera se afasta num helicóptero. 

Buscar esse jogo entre identificação e repulsa é uma prática adulta. Temos assim um dos blockbusters mais respeitáveis deste século.