Nos últimos anos, foram muitos os casos de estudantes, no Reino Unido ou nos EUA, que protestaram, individualmente ou em grupo organizado, contra o que consideravam conteúdos perturbadores. Filmes de horror com perfurações de olhos? Cenas de estupro? Sexo explícito? Nada disso. O que perturba parte da juventude de hoje são alguns dos grandes clássicos da literatura, escritos muito antes de o politicamente correto ser gestado.
Numa era em que a depressão se tornou uma das mais perigosas doenças sociais, a sociedade se arma para tornar os jovens em pessoas ainda mais frágeis, em vez de contextualizar as obras num tempo certo da história e discutir isso civilizadamente.
Eis que uma das séries mais perturbadoras dos últimos tempos chega agora a sua 3ª temporada. 13 Reasons Why é cercada de polêmica porque, segundo muitos espectadores e críticos, tratava o tema do suicídio sem maiores cuidados. Digamos que diante de tal tema espinhoso, preferiu-se a mão pesada do que a delicadeza.
Há 60 anos, um texto essencial chamado “Da abjeção” foi escrito pelo crítico francês Jacques Rivette a respeito de um filme italiano chamado Kapó, de Gillo Pontecorvo, sobre prisioneiros de um campo de concentração nazista. Segundo Rivette, bastaria ver, nesse longa, “o plano em que [a atriz Emmanuelle] Riva se suicida, jogando-se sobre o arame farpado eletrificado; o homem que decide, nesse momento, fazer um travelling para a frente para reenquadrar o cadáver em contra-plongée [câmera baixa], tomando cuidado para inscrever exatamente a mão levantada num ângulo de seu enquadramento final, esse homem só tem direito ao mais profundo desprezo.”
Para uma parte da nova geração de espectadores, abjeto não seria uma forma equivocada para representar o suicídio, como era para Rivette e os demais críticos da Cahiers du Cinéma. Seria, simplesmente, a ideia de se apropriar do tema sem uma série de precauções com a saúde mental desses mesmos espectadores.
Tudo isso nubla a discussão principal: 13 Reasons Why é uma boa série, no sentido de instigar nossas mentes para o tema e a história narrada? Não me parece. Mas a ideia de que certos temas não possam ser tratados de maneira audiovisual é nociva. Assim como a ideia de que forma não importa. Felizmente, existem aqueles para os quais a série, no mínimo, seria deficiente, por ter uma construção descuidada e uma forma sem grande inventividade.
O importante, agora, é julgarmos a vindoura terceira temporada principalmente por suas características formais, deixando que contextos e questões sociais, também interessantes de serem tratadas, não sobrepujem a discussão.
Sérgio Alpendre