Se, por um lado, os empreendimentos usam a tecnologia para garantir que os funcionários desempenhem suas funções de modo a atingir as metas determinadas para eles, por outro, isso pode fazer que os trabalhadores desenvolvam transtornos psicológicos. E, em muitos casos, nem sequer se deem conta disso.
Para o psicólogo Rodrigo Casemiro, esse mecanismo é tão opressor quanto as relações trabalhistas antes da Revolução Industrial. “O empregado, nesse caso, é sempre visto com desconfiança. Ele se sente pressionado quando a empresa tem como único foco o lucro e não se preocupa com sua saúde. É como se ele fosse quase uma máquina, que pode ser substituída se der pane ou punida se apresentar desgaste.”
Para o psicólogo Rodrigo Casemiro, o lucro que a empresa espera obter com o monitoramento acaba perdido em ausências e alta rotatividade de profissionais
Segundo a psicóloga Cintia Patricia Esteves, do aplicativo FalaFreud, quando o empregado sabe que tudo o que faz no ambiente corporativo é controlado, pode ficar inseguro e passar a duvidar da própria capacidade. Ele se pergunta: “afinal, por que estão me monitorando?”. Em seguida, podem surgir sintomas físicos — entre os mais comuns estão taquicardia, irritação, dor de cabeça, alteração do sono e do apetite, e falta de ar — e haver necessidade de medicação para controlá-los.
Automaticamente, então, o desempenho dele no trabalho é comprometido. “Ou seja, o excesso de monitoramento traz para o empregado a concretização de sua incapacidade. E não é por ele ser incapaz, mas por toda a ansiedade provocada por esse processo”, comenta Cintia. “Isso abala seu bem-estar psíquico, físico e moral”, acrescenta Renata Tavolaro, psicóloga da plataforma OrienteMe. “Consequentemente, há uma queda de desempenho.”
Relação de confiança é abalada
Além disso, mesmo quando é informado sobre o monitoramento, o trabalhador pode sentir que sua privacidade é invadida pela organização. “Isso prejudica a relação de confiança que deveria existir entre as partes e provoca um clima constante de tensão e estresse”, diz Renata.
Cintia lembra que o indivíduo não associa a situação ao contexto laboral imediatamente. “Em geral, ele pensa que o conflito está relacionado com sua vida pessoal. A realidade, entretanto, é que a divergência em casa começa a partir do estresse vivido no trabalho”, explica. “Isso porque a ansiedade sentida por ele não fica na empresa: ela o segue todo o tempo e ele desconta em quem está mais perto.”
Ela diz que, na maioria das vezes, o empregado tem dificuldade para identificar a origem dessa adversidade. “É comum que ele perceba apenas no tratamento terapêutico com psicólogo de onde vem essa sensação. Afinal, é nesse processo que são investigados os pontos da vida dele de forma a chegar a essa conclusão. Antes disso, alguns pensam que o problema é o chefe. Depois, descobrem que é o ambiente.”
A psicóloga Cintia Patricia Esteves, do aplicativo FalaFreud, diz que o empregado tem dificuldade para identificar o motivo de seu adoecimento e demora a compreender que é o ambiente em que trabalha
Com isso, a qualidade de vida do profissional fica abalada e ele passa a questionar a forma como vive. “O assédio moral pode acontecer por palavras e atitudes dos superiores. Em alguns casos, ele é institucionalizado: as normas e os procedimentos da companhia são invasivos, abusivos e violentos psicologicamente”, aponta Casemiro.
Em vez de lucro, prejuízo
Adotar um sistema altamente tecnológico é visto por muitas empresas como uma necessidade. A agência de marketing promocional Close to Consumer (C2C), por exemplo, implantou uma solução de monitoramento para modernizar o modelo de trabalho. Diogo Rodrigues, responsável pelo planejamento estratégico e projetos da companhia, diz que isso fez a equipe da empresa diminuir e o perfil dos profissionais mudar.
Tudo o que se pretende economizar com o uso dessas soluções, porém, pode acabar perdido se custar a saúde psíquica dos trabalhadores. “O lucro que a empresa teria com a vigilância do trabalho, pode se dissipar em meio aos afastamentos de funcionários e, principalmente, aos gastos advindos da alta rotatividade de pessoal”, avalia Casemiro. “Os empregados adoecem, muitas vezes, silenciosamente em locais como esses.”
O alto nível de estresse e ansiedade experimentado pelos funcionários pode despertar, entre outros, uma paranoia situacional — ou seja, o profissional pode se sentir intranquilo e ameaçado. “Nesse cenário, ele desenvolve sentimentos de insegurança e vivências de ameaça, especialmente quando o monitoramento está associado a práticas punitivas e muito controladoras”, observa Renata.
Esta reportagem foi dividida em três episódios: a primeira parte está neste link e amanhã você pode acompanhar o encerramento aqui mesmo no site. Não perca!