O mundo está mais competitivo a cada dia. Ser um profissional produtivo é uma exigência nos mais diferentes segmentos. A tecnologia tem sido um auxiliar importante nesse processo, mas, em alguns casos, seu uso pode ser polêmico. É o caso, por exemplo, do uso de sistemas de monitoramento dos empregados.

Para compreender como essas mudanças afetam os recursos humanos das organizações, o Olhar Digital conversou com empresas que adotam esse tipo de ferramenta. Além disso, consultamos psicólogos para entender como o uso dessas tecnologias pode afetar os profissionais e advogados para saber como isso é interpretado pela lei trabalhista.

Entre as descobertas estão o fato de que algumas companhias usam sistemas que rastreiam os profissionais continuamente. A partir dos dados coletados, essas ferramentas são capazes de informar qual a produtividade do trabalhador e, em alguns casos, tudo o que ele faz enquanto está conectado ao sistema da empresa. E isso pode causar inúmeros efeitos nos colaboradores.

Em geral, a base dessas ferramentas é a inteligência artificial. É ela quem garante que a organização tenha acesso a todo o perfil laboral do profissional — muitas vezes desde o primeiro contato entre eles, ou seja, antes mesmo de ele se tornar um colaborador.

Com a tecnologia cada vez mais desenvolvida, as possibilidades de uso são as mais diversas: para o bem e para o mal. “Aqui, temos uma solução para acompanhar o progresso dos projetos”, diz Fellipe Guimarães, CEO da Codeby. “Isso nos ajuda a saber em que é possível melhorar, tanto a forma como o trabalho é desenvolvido quanto a produtividade dos especialistas.”

Segundo Guimarães, a Codeby usa a ferramenta apenas para detectar dificuldades. “Quando um profissional apresenta alterações de produtividade, por exemplo, procuramos identificar quais fatores levaram a isso”, explica. Afinal, só o fato de saber que é monitorado pode causar alterações psicológicas que afetam a forma como o colaborador lida com a situação.

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Fellipe Guimarães, CEO da Codeby, acredita que a tecnologia ajuda a melhorar os processos de trabalho e a produtividade da equipe

Um dos casos mais extremos foi relatado por empregados da Amazon nos EUA: vários deles alegam que o sistema de monitoramento da empresa é tão automatizado que cartas de demissão são preparadas sem a interferência de seres humanos. Isso leva os funcionários a encararem semanas de trabalho de até 60 horas e a evitarem ir ao banheiro para não serem penalizados pela ferramenta.

Segundo a empresa, entretanto, isso não corresponde à realidade. “É infundada a ideia de que funcionários sejam desligados por meio de um sistema automático”, diz um comunicado oficial da companhia. “(…) temos expectativas de desempenho dos funcionários, mas (…), antes que qualquer decisão seja tomada, apoiamos quem não atende aos níveis esperados com direcionamento e treinamento.”

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Toque humano é essencial

Outra companhia que usa esse tipo de solução tecnológica aqui no Brasil é a agência de marketing promocional Close to Consumer (C2C). O sistema da empresa mede a produtividade da equipe — especialmente dos profissionais que estão em campo. “Para trabalhar, o funcionário recebe um smartphone com o app instalado. Todas as atividades são registradas nele: check-in no local (e o GPS do celular atesta a informação), coleta de dados e outros”, diz Diogo Rodrigues, responsável pelo planejamento estratégico e projetos da C2C.

Depois, essas informações são analisadas por uma equipe de business intelligence (BI). “Eles, então, produzem um relatório que permite avaliar se os participantes do projeto atingem o que é esperado deles.” E se eles não estiverem em conformidade com as metas determinadas? “São apurados os motivos que levaram a isso. Podem ser fatores externos, por exemplo. Por isso, é fundamental que haja uma equipe de seres humanos para avaliar esses aspectos.”

No sistema da empresa, quando um profissional não faz uma atividade, essa falta fica aparente. “A partir disso, é possível fazer o desconto pertinente, mas antes analisamos o contexto que levou a essa situação.”

Rodrigues conta que, em alguns casos, há resistência dos profissionais. “Isso é mais comum quando a ferramenta passa a ser usada depois do início do projeto. Mesmo após receberem treinamento, alguns colaboradores ainda se mostram pouco confortáveis por acharem que não confiamos no trabalho deles”, conta. “Então, explicamos que se trata de um sistema que pode, na verdade, ajudá-los a se sobressair se tiverem bom desempenho.”

Segundo ele, já houve até o caso de uma funcionária que foi transferida para outro departamento. “Ela realmente não se adaptou à tecnologia, mas avaliamos que se tratava de uma profissional que poderia se dar bem em outra área. Essa colaboradora está com a gente até hoje”, lembra. Por outro lado, ele diz que é comum que seja identificada a falta de comprometimento de alguns trabalhadores. “Os dados obtidos são, então, usados para embasar as dispensas dessas pessoas.”

Um dos motivos para o uso da tecnologia pela C2C foi a transição para um modelo mais tecnológico. Isso fez a equipe da empresa diminuir e o perfil dos profissionais mudar. “Antes, o empregado que fica em campo tinha de ligar para a empresa para fazer seu check-in quando chegava ao local de trabalho. Havia, então, uma equipe que recebia essas ligações. Hoje, as informações vêm pela ferramenta e o especialista que as analisa precisa ter habilidades diferentes daquelas que eram exigidas de quem atendia o telefone.”

Para Rodrigues, esse toque humano é essencial. “A solução não faz tudo sozinha, por mais avançada que ela seja”, acredita. “Pode ser que, no futuro, a identificação de fatores externos se torne mais aprimorada e requeira menos intervenção humana. Mesmo assim, acredito que sempre será necessário um olhar humano no momento da tomada de decisão: a sensibilidade do analista é o que vai evitar que haja decisões erradas.”

Esta reportagem foi dividida em três episódios: amanhã e depois (23 e 24), você pode acompanhar a sequência aqui mesmo no site. Não perca!