Você está conversando com alguém sobre algum produto que deseja comprar, mas talvez não lembre o nome dele, apenas algumas características capazes de descrevê-lo. Algumas horas depois, em frente ao seu computador, como que por um milagre, as propagandas que aparecem nos site que você frequenta sugerem o produto que você descreveu para a outra pessoa. Isso já aconteceu comigo, com meus amigos e, muito provavelmente, com você ou com alguém que conheça. A questão aqui não é entrar no mérito da vigilância na era da tecnologia através da possível escuta de conversas, mas questionar a necessidade da publicidade direcionada: seria esta realmente importante para você?

No início do mês, o CEO do Google, Sundar Pichai, escreveu um editorial para o jornal The New York Times, no qual disse que a “privacidade não deveria ser um artigo de luxo”. Essa afirmação foi, claramente, direcionada à concorrente Apple. Nesta semana, no entanto, o chefe de software da Apple, Craig Federighi, declarou ao canal The Independent que “não aceita” tal crítica, e que a Apple não tem interesse em coletar muitos dados dos usuários, ao contrário do Google, que oferece serviços gratuitos para exibir anúncios segmentados com base nos dados privados das pessoas.

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Contudo, como diz o ditado “quando dois elefantes brigam, quem sofre é a grama”. E, neste caso, a grama se refere a nós, consumidores dos produtos das duas empresas.

No mesmo editorial, Pichai ainda diz que o Google usa os dados para tornar os seus produtos mais úteis a todos, mas que a empresa também protege as informações das pessoas. Essa afirmação não está de todo errada, pois a gigante das buscas não compartilha dados identificáveis, ou seja, apesar de coletar informações como nome, CPF ou endereço dos usuários em seus serviços, este tipo de dado permanece seguro. O que é compartilhado, no entanto, são informações referentes aos hábitos de consumo, por exemplo. Este tipo de dado é anônimo, porém, molda perfis segmentados e acaba sendo usado para o direcionamento de anúncios que, consequentemente, dão lucro à gigante das buscas.

Entretanto, o Google e a Apple não são as únicas empresas a utilizar nossos dados para otimizar a publicidade nos meios digitais. Em 2019, o relatório da conferência MarTech que, como o próprio nome revela, é dedica ao “fazer marketing” na era da tecnologia, mostrou o aumento no número deste tipo de companhia, levando em consideração os últimos oito anos. Em abril, a equipe liberou uma lista com 7.040 empresas que vivem da exploração dos dados dos usuários para otimizar serviços de marketing.

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O número de empresas que utilizam os dados dos usuários para otimizar a publicidade aumentou significativamente em oito anos

Chamado de Marketing Technology Landscape Supergraphic 2019, o levantamento mostra que, em 2011, 150 empresas estavam relacionadas na lista da MarTech, enquanto, em 2019, foram encontradas 7.040 delas. De acordo com Charlie Warzel, escritor do NYT, esta tabela é capaz de identificar para onde os nossos dados estão indo e quem os compartilha. Contudo, segundo os autores deste gráfico, o número pode ser ainda maior. Para ver cada uma das empresas mencionadas na lista de 2019, o pessoal da MarTech oferece um documento no Excel com o nome de cada uma delas, o download é gratuito.

Agora, a grande questão é que, por mais que essas empresas estejam acumulando nossas informações de consumo em seus bancos dados, as mesmas não sabem utilizá-las. Para Lisa Macpherson, ex-vice-presidente sênior de marketing da Hallmark Cards, levando em consideração toda a invasão de privacidade e a quantidade de dados acumulada, a tecnologia utilizada na publicidade não é tão boa em fazer o que é suposto fazer: ajudar as empresas a entender os clientes.

Em entrevista ao jornal, Lisa afirma: “Como profissionais de marketing, agora temos acesso aos nossos clientes em todos as perspectivas de suas vidas. Mas com mais camadas de tecnologia entre nós, temos menos insights sobre o que os faz reagir. Algoritmos agrupam anúncios baseados em ‘otimização’, em vez das equipes criativas os enxergarem com base no insight humano. Disseram-nos que todos esses dados estão tornando os anúncios ‘mais relevantes’, mas os consumidores acham nossos anúncios irritantes e o uso de bloqueadores de anúncios está em alta.”

Em outras palavras, o que os profissionais e analistas do mercado estão tentando dizer é que o argumento de melhorar a experiência de navegação das pessoas, em plataformas como o Google e o Facebook, por exemplo, ao direcionar os anúncios aos interesses dos usuários, não é de todo relevante para nós, consumidores. Logo, isso não justifica a quantidade de informações absorvidas sobre nossas personas todos os dias.

Quando tivemos o escândalo envolvendo a Cambridge Analytica, o CEO do Facebook teve que depor ao congresso norte-americano. Na época, Mark Zuckerberg afirmou os dados referentes aos hábitos de consumo e navegação das pessoas na rede social eram cruciais para melhorar a experiência destas na plataforma. Mas até que ponto ver o tênis da sua marca predileta na sua timeline ou uma propaganda qualquer faz realmente diferença para você?

Sinceramente, antes de alegar que anúncios direcionados são melhores do que ver publicidade oferecendo hentai, pirataria ou até mesmo malwares disfarçados em memes de gatinhos, temos que ser críticos sobre o fato de que as empresas que oferecem tais espaços de publicidade são as mesmas. Logo, a responsabilidade sobre o que é mostrado continua sendo delas, tendo conteúdo direcionado ou não.

Por fim, tenho que concordar com Sundar Pichai quando diz que a privacidade não pode ser um artigo de luxo, porém, também acredito que os nossos dados não podem servir como moeda de troca para uma melhor experiência de marketing. E você?