O Brasil vive um momento de instabilidade no tocante à tributação dos negócios da chamada economia digital, principalmente pela crescente disputa entre Estados e Municípios para tributar algumas operações, tais como o licenciamento de software (inclusive via nuvem) e a publicidade na internet, que deveriam ser taxadas apenas pelas municipalidades, bem como pela recente postura dos Estados de querer tributar os chamados “bens digitais” como se mercadorias fossem (para fins de cobrança de ICMS). Some-se a isso algumas questões mais antigas e que ainda não encontraram um endereçamento coerente de tributais e poder legislativo, como é o caso da (in)dedutibilidade dos royalties remetidos por empresas brasileiras às suas matrizes no exterior para a comercialização de software no Brasil, que tem gerado muita dor de cabeça às multinacionais do ramo que aqui operam.

Entretanto, a tributação das operações digitais também tem sido foco de grandes discussões em outros países, sobretudo no tocante à alegada pouca ou quase nenhuma tributação que alguns grandes players têm sido acusados mundo afora, o que despertou o interesse de diversos países para alcançar o valor gerado por tais empresas em seus territórios, de modo a tributá-lo. O tema foi objeto de um concorrido seminário nas XXX Jornadas Latinoamericanas de Derecho Tributario do Instituto Latinoamericano de Derecho Tributario (ILADT), ocorrido em Montevideo no início de novembro, do qual eu tive o privilégio de ter sido um dos palestrantes.

Para que a dimensão do problema possa ser entendida, uma leve explicação deve ser feita. Isso porque, historicamente, nas operações envolvendo sujeitos em dois países distintos (ex.: prestador de serviço no País A e tomador no País B), dois critérios têm sido utilizados para a divisão da tributação da renda entre os dois países, a saber: (i) o critério da fonte, segundo o qual o país em que se originam os pagamentos é competente para exigir o imposto de renda devido (no exemplo, o País B, via retenção na fonte); e (ii) o critério da residência, segundo o qual o país em que estabelecido o sujeito que aufere a renda é competente para tributa-la (no exemplo, o País A). Para evitar a bitributação da mesma renda, os países costumam firmar convênios para determinar qual deles poderá cobrar o imposto na operação ou mesmo para estabelecer regras para que o tributo seja dividido, a depender do caso.

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Entretanto, com a crescente digitalização da economia, esses critérios de tributação da renda mundial já não são totalmente suficientes para alocar a arrecadação de forma justa entre as distintas jurisdições.

É o que ocorre, por exemplo, com grandes plataformas digitais acessadas mundialmente de forma gratuita por milhões ou às vezes bilhões de usuários. Segundo os critérios da fonte e da residência, se uma plataforma residente no País A tem vinte milhões de usuários no País C, no qual opera sem qualquer presença física local, mas presta serviços de publicidade online a um tomador residente no País B, de onde haverá a remessa de valores ao País A, apenas A e B poderiam tributar os rendimentos da operação, ainda que a contratação de publicidade tenha sido provocada parcial ou totalmente pelo amplo acesso da plataforma no País C, que nada arrecadaria no caso. Em resumo, há evidente geração de valor à plataforma no País C, não só por albergar o grande contingente de usuários, mas também por lhes proporcionar toda a infraestrutura para que acessem a internet, mas a renda correspondente somente seria tributada em A ou B.

Cientes de que os antigos parâmetros já não são suficientes para balizar a justa alocação de tributação da renda mundial em casos semelhantes, diversos países têm adotado medidas unilaterais para gravar a geração de valor em seus territórios, mesmo que essa geração de valor não acarrete a percepção de renda direta ou fluxos financeiros locais. É o que se vem convencionando chamar de tributos sobre serviços digitais (Digital Services Tax), que buscam salvaguardar os direitos tributários dos países em que o valor é gerado e nenhum tributo é recolhido, bem como combater planejamentos tributários internacionais que costumam concentrar a renda em países com baixíssima ou nenhuma tributação. A Comissão Europeia chegou a propor uma tributação nesses moldes em relatório publicado em marco de 2018, que será analisada pelo Parlamento Europeu nos próximos dias.

De outra banda, alguns organismos plurinacionais, tais como a OCDE e a já citada Comissão Europeia, embora não descartem a criação de tributos sobre serviços digitais (soluções de curto prazo), vêm trabalhando com propostas a longo prazo de reconhecimento de estabelecimentos permanentes virtuais baseadas na presença digital significativa de uma empresa em dado país, que deve ser aferida de acordo com a quantidade de usuários, o volume de receitas obtidas localmente ou a quantidade de contratos assinados com residentes. Na prática, no caso de reconhecimento de presença digital significativa em um dado país, parte da renda obtida pela empresa deverá ser tributada nesse país, sem prejuízo de sua submissão à tributação no país de sua residência ou mesmo em terceiros países. O desafio, sem dúvida, será simplificar as medidas necessárias à identificação da “presença digital significativa” e, principalmente, evitar a dupla ou pluritributação da mesma renda.

Em resumo, o tema ainda está aberto e deverá ser objetivo de importantes mudanças nos próximos meses e anos. Fica o alerta para as empresas brasileiras que operam no mundo digital, que poderão ser tributadas em outros países por suas operações, dependendo de seu nível de internacionalização, do volume de receitas obtidas com transações envolvendo não residentes e a quantidade de usuários.