A confirmação de que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) estava retendo produtos importados para homologação e cobrando uma taxa de R$ 200 por esse procedimento dos consumidores que encomendaram os dispositivos continua repercutindo mal entre os consumidores. Desde a última sexta-feira, internautas brasileiros questionam a validade desse procedimento para que o certificado de conformidade seja emitido. No entanto, advogados procurados pelo Olhar Digital veem base legal na decisão.
Com catálogos variados, as lojas chinesas se popularizaram no país por oferecer dispositivos como smartphones e drones a preços bem abaixo dos praticados no país, uma vez que elas não estão sujeitas a alta carga tributária para eletrônicos vigente por aqui. Além disso, os produtos despachados por estas gigantes asiáticas também driblam obrigatoriedades como a homologação de equipamentos de radiofrequência, prevista na Lei Geral de Telecomunicações (LGT). E para o advogado Felipe Barreto – especializado em propriedade intelectual e sócio do escritório BVA Advogados – a Anatel não só tem autoridade para barrar essas importações, como demorou para tomar uma posição mais efetiva.
“A radiofrequência e todas as frequências dela relacionadas, inclusive a de celular, fazem parte de um interesse nacional, já que elas integram a segurança nacional. A Anatel é a agência responsável não só por regular as relações, mas por fazer as fiscalizações necessárias nesse sentido”, disse Barreto. O advogado acredita ainda que a medida tende a prestigiar a indústria nacional e os consumidores obrigados a arcar com os custos de homologação e certificação de dispositivos no país.
No Brasil, o artigo 156 da Lei Geral de Telecomunicações (LGT – nº 9.472/97) veda a utilização de produtos com transmissões de radiofrequência que não tenham sido homologados pela Anatel. Segundo a legislação, isso é necessário para se certificar que o produto atende todos os parâmetros técnicos brasileiros e que não há riscos de interferência a outros tipos de comunicação. Entretanto, esta tarefa está normalmente a cargo das fabricantes, que o fazem antes mesmo de anunciar a data de lançamento dos aparelhos junto ao público.
No caso dos importados chineses, a Anatel passou a responsabilizar o consumidor final pela regularização destes eletrônicos. O órgão age em parceria com os Correios que, ao receber um produto não homologado no Brasil, envia o aparelho para a sede da agência reguladora e notifica o consumidor do procedimento. Para o advogado tributário Rodrigo Maito da Silveira, sócio do escritório Dias Carneiro, porém, a atitude é discutível.
“O consumidor final está importando um aparelho para o seu próprio consumo e não para desenvolver uma atividade econômica e explorar comercialmente esse produto. Aqui temos um ponto que é discutível: poderia a Anatel restringir a importação de equipamento para o usuário final e impor essa necessidade de homologação e certificação?”, questiona.
Já Marcela Ejnisman – advogada especializada nas indústrias de telecomunicações e de tecnologia, propriedade intelectual e privacidade do escritório Tozzini Freire – acredita que sim. A especialista explica que a legislação é bastante clara na atribuição da Anatel em certificar os aparelhos de radiocomunicação usados no território nacional. Por outro lado, a LGT não define a quem a agência reguladora deve cobrar a certificação.
“A lei de uma maneira geral não fala que a certificação de um equipamento tem que ser feita por uma empresa. Ela fala que a gente não pode utilizar o equipamento sem a certificação da Anatel. Então, ela tem fundamento legal sim”, explica.
Cobrança por homologação divide especialistas
Além de suas encomendas paradas por semanas na alfândega, os importadores brasileiros agora precisam aguardar um prazo adicional para a homologação dos seus eletrônicos. Segundo a Anatel, a agência definirá em até 10 dias se o produto está apto para a utilização no Brasil ou se terá que ser devolvido ao remetente. No caso de aprovação, haverá ainda uma cobrança de R$ 200 pela emissão do certificado de conformidade.
O valor cobrado pela Agência Nacional de Telecomunicações está estabelecido em uma tabela publicada na resolução nº 242, de 30 de novembro de 2000. A agência, contudo, trata a cobrança como um emolumento, que seria uma indenização por uma atividade econômica, inclusive podendo ser exercida por uma empresa terceira. No entanto, Rodrigo Maito discorda da interpretação deste pagamento.
“Não é o que me parece aqui, pois é a própria Anatel que está exigindo isso do consumidor final. Portanto, me parece que falta base legal a exigência desse emolumento. Ele tem sim natureza tributária, teria natureza de taxa e, como tal, deveria estar respaldada em lei, coisa que não acontece aqui”, argumenta.
Já Marcela Ejnisman acredita que a Anatel tem fundamento legal para fazer esta cobrança com base na tabela publicada previamente, conforme determina a lei. Por outro lado, a advogada destaca que os consumidores têm o direito de questionar a taxa, mas muitos acabam desistindo disso por causa do baixo valor.
“Se a pessoa quiser contestar esse valor, ela pode procurar um advogado especializado ou uma associação de proteção ao consumidor e entrar com uma ação para questionar. Mas é aquela situação em que, por não se tratar de um valor dos mais altos, o esforço não compensa. E aí, é melhor pagar”, completa.
Com reportagem de Elson de Souza