O mercado brasileiro de smartphones se prepara para mais uma promessa de “invasão chinesa”. Em agosto, a Huawei deve voltar a vender celulares no país em parceria com a Positivo. Em breve, pode chegar por aqui também a Oppo.
As duas marcas estão entre as líderes mundiais no setor de smartphones, não só no Oriente. A Huawei, mais especificamente, acaba de ultrapassar a Apple na vice-liderança global do mercado de celulares – mesmo sem ser conhecida em todo o mundo.
Mas a relação entre empresas chinesas e o Brasil nem sempre foi amistosa. A Xiaomi, por exemplo, empresa fundada há apenas oito anos e que já foi chamada de “Apple da China”, desembarcou no Brasil em 2014 e desistiu do mercado local um ano depois.
O que há de tão místico no mercado de smartphones chinês e como se estabelece a relação entre os dois países no setor da tecnologia? O Olhar Digital ouviu especialistas que explicam o que está por trás desta nova “invasão chinesa”.
A fonte do sucesso
Para entender a relação do mercado chinês com o Brasil, primeiro precisamos entender como o país asiático ultrapassou os Estados Unidos e nações da Europa para se tornar o maior mercado de smartphones do mundo.
Tudo começou entre o fim dos anos 1980 e o início dos anos 1990. Foi quando países da Ásia, incluindo Japão e Coreia do Sul, começaram a concentrar a fabricação de componentes como chips de memória e telas para exportação.
No começo dos anos 2000, a China se posicionou de forma estratégica bem “no meio” dessa cadeia de suprimentos como uma espécie de montadora, pegando os componentes feitos nos países vizinhos e vendendo os “pacotes fechados” para o Ocidente.
Isto sem falar nas vantagens competitivas que só a China tem, como: “mão de obra abundante e sem organização sindical; infraestrutura como energia, estradas e portos de excelente qualidade; baixos impostos e uma legislação ambiental frouxa”, como explica Felipe Zmoginski, fundador da consultoria Inovasia e especialista em mercado chinês.
(Uma fábrica de eletrônicos em Shenzhen, na China. Foto: Wikimedia)
“O mais interessante”, acrescenta Felipe, “é que, com os saldos comerciais deste processo de industrialização exportadora, a China apoiou grandes empresas nacionais de desenvolvimento de tecnologia proprietária, caso da Huawei e Xiaomi”.
Junte isso a um pesado investimento na formação de engenheiros e outras carreiras que são chave para o desenvolvimento industrial, além da maior população do mundo (1,3 bilhão de habitantes até 2017), e você começa a enxergar a fórmula do sucesso.
Com uma indústria nacional forte e muita demanda, a China consegue produzir e vender mais smartphones do que qualquer outro lugar no mundo. Não é de se surpreender que a sua influência comece a “vazar” para outros países.
O Brasil, sétima maior economia do mundo, com seus 207 milhões de habitantes, é, portanto, um prato cheio nos planos de expansão das gigantes chinesas.
Os primeiros colonizadores
A primeira das grandes marcas chinesas a desembarcar no Brasil foi a Huawei. A empresa chegou ao país em 2002 atuando no setor de infraestrutura em telecomunicações. O primeiro smartphone Android que a marca lançou por aqui, o Ascend G510, tinha fabricação local e saiu em agosto de 2013.
Em 2015, chegou a Xiaomi, seguida pela Meizu meses depois. Das três marcas, porém, a única que permaneceu no setor de smartphones até hoje foi esta última, por meio de uma parceria exclusiva com uma espécie de “importadora oficial”, a Vi.
A Huawei permaneceu no Brasil, mas parou de vender smartphones apenas um ano depois. A Xiaomi, por sua vez, saiu discretamente de cena também após um ano. O caso da “Apple chinesa” é especial porque a empresa apostou numa estratégia bem diferente para o mercado brasileiro.
A Xiaomi só vendia smartphones no Brasil pela internet, em seu site oficial e em datas específicas, apostando no poder da propaganda boca-a-boca e da fama internacional. Pouco tempo depois, firmou parcerias para tentar introduzir seus produtos no varejo – mas parecia ser tarde demais.
A segunda vinda
Agora, a Huawei se prepara para apostar de novo no mercado brasileiro, mas por meio de uma parceira experiente: a brasileira Positivo. Já a Oppo deve estrear por aqui com uma importadora oficial, assim como a Meizu trabalha com a Vi, nos próximos meses.
(Meizu Pro 6 Plus. Foto: Olhar Digital)
Esta pode ser a chave para o sucesso no retorno das chinesas, segundo Reinaldo Sakis, gerente de pesquisa e consultoria da IDC Brasil. Se aliar a distribuidores locais pode dar mais tranquilidade ao varejo, “traumatizado” com as saídas precoces de tempos atrás.
“Houve situações no passado que, em algum momento, podem gerar um atrito. Mas o varejista quer vender produto, quer lucrar. E, hoje, o melhor produto é chinês”, diz Sakis, citando como exemplo o Huawei P20 Pro, líder do ranking das melhores câmeras de smartphones do mundo.
Esta opinião é reforçada por Norberto Maraschin Filho, vice-presidente de mobilidade da Positivo, que se prepara para trazer a Huawei de volta ao Brasil. Em entrevista à Exame, o executivo falou sobre a inexperiência das chinesas no nosso país.
“O Brasil é um país complexo, as vendas dependem muito do varejo, que é bastante segmentado, enquanto as operadoras têm um poder muito grande em outros países. É preciso ter contatos com lojistas de diversas regiões, o Brasil não é para amadores”, disse Maraschin.
Sakis lembra também o famoso preconceito com produtos feitos na China, como se eles fossem de baixa qualidade. Preconceito sem fundamento, segundo ele, já que boa parte dos componentes de celulares da Samsung ou da Apple, por exemplo, são feitos ou montados também na China.
Para o analista, a estratégia das chinesas que quiserem fazer sucesso no Brasil deve passar por um forte investimento em marketing, com o objetivo de reduzir essa imagem de produto de baixa qualidade que o selo “made in China” traz consigo.
“É um processo de aprendizado”, completa Zmoginski. “Nos anos 80, os produtos japoneses e coreanos também eram rejeitados fora de seus países. Hoje, todo mundo admira marcas como Samsung e Honda. Isto também vai acontecer com os chineses, mas talvez leve uma década ainda.”