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Nos últimos anos tem-se falado muito em ética no Brasil. O tema tornou-se relevante porque professores filósofos tais como Mário Cortella e Clóvis de Barros ganharam espaço na mídia, enfatizando em suas palestras a necessidade de uma reflexão mais profunda sobre nossas relações pessoais e profissionais, valores morais e a ética de nossas decisões. Entretanto, novas tecnologias tais como smartphones, máquinas baseadas em inteligência artificial (IA) e mídias sociais têm alterado profundamente nosso comportamento, inaugurando novas formas de interação, influenciando nossa forma de pensar e agir em sociedade.

Fatos recentes tais como a exploração política de dados de usuários do Facebook pela Cambridge Analytica e o atropelamento fatal da ciclista Elaine Herzberg por um carro autônomo do Uber em Tempe, no Arizona, ilustram a necessidade de uma ética focada nas tecnologias da informação. Foi o pesquisador Walter Maner que cunhou o termo “ética computacional” nos anos 70. Para ele, a ética computacional deve estudar os problemas éticos “agravados, transformados ou criados pela tecnologia computacional”. Nos anos 90, algumas instituições passaram a adotar o termo “ética informacional” (ou ética digital), movendo o foco de estudos para a matéria-prima manipulada pelas novas tecnologias, isto é, dados e informações digitais.

Proteção, privacidade, vigilância

Dados. Duas décadas atrás, o que tínhamos sobre as pessoas eram dados sociodemográficos, mas isto mudou radicalmente com a chegada da Web 2.0 e das mídias sociais. Mas estas novas plataformas de interação seriam “inertes” em relação ao uso dos dados de seus usuários, não fosse a nova geração de algoritmos preditivos, baseados em inteligência artificial e machine learning. Hoje, é possível conhecer não só o perfil de um usuário conectado, mas também seus desejos de consumo, orientação política, medos e sonhos. Não por acaso, as empresas digitais com receitas de bilhões de dólares têm seus negócios ancorados em coleta, análise e uso de dados de seus usuários.

Governos e pesquisadores já reconheceram a necessidade urgente de proteger os dados dos cidadãos, no Brasil isto foi feito no Marco Civil da Internet de 2014. Em janeiro de 2016, o Supervisor Europeu de Proteção de Dados apresentou seu novo “Grupo Consultivo de Ética”, cujo objetivo é: “reconsiderar a dimensão ética das relações entre direitos humanos, tecnologia, mercados e modelos de negócios e suas implicações para os direitos à privacidade e proteção de dados no ambiente digital”. De fato, na medida em que mergulhamos mais e mais no universo digital, nossos direitos sobre nossos dados, isto é, quem somos e o que fazemos, devem estar garantidos e devem se sobrepor a qualquer instituição ou empresa em particular, salvo os casos em que literalmente tenhamos autorizado o uso destes. Há ainda uma necessidade crescente de transparência por parte das empresas “coletadoras de dados” no que diz respeito às suas políticas não só de uso, mas de comercialização de dados.

Além disso, o preço que estamos pagamos pela segurança digital, resumida na profusão de câmeras de segurança espalhadas pelas cidades (na China já são 170 milhões) afim de evitar ataques criminosos ou terroristas representa ao mesmo tempo, ameaça a nossa autonomia, o anonimato e a confiança que constroem a base das sociedades democráticas. Estes são apenas alguns exemplos onde a ética digital pode representar um aliado fundamental na concepção, desenvolvimento e uso de novas tecnologias. 

Sociedade híbrida

Carros autônomos representam só o começo. Dentro de algumas décadas, estaremos andando pelas ruas e convivendo em nossas casas com máquinas autônomas, capazes de tomar decisões. A importância da ética digital está além da reflexão sobre a sociedade híbrida homens/máquinas para qual caminhamos, mas em especial, na definição dos princípios e valores morais que vão delinear a tomada de decisão desta nova geração de autômatos (ou máquinas morais), quando estes estiverem, por exemplo, balançando o berço de nossos filhos.

Referências

Capurro, R. (2009). Digital Ethics. Acessível em: https://www.capurro.de/korea.html

Floridi, L. (2017). Fake news, authenticity, and why we need a new digital ethics. Cybersecurity – StartupItalia!
Acessível em: https://cybersecurity.startupitalia.eu/53819-20170107-post-truth-fake-news-new-ethics

Walter, G. (2018). Why Digital Ethics Matter. SAP User Experience Community. Acessível em:   https://experience.sap.com/skillup/why-digital-ethics-matter/

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