Empresa cobra US$ 10 mil para te matar e fazer ‘backup’ do seu cérebro

Redação14/03/2018 19h09, atualizada em 14/03/2018 20h37

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Imagine se após sua morte você pudesse preservar seu cérebro de maneira indefinida. Assim, no momento em que a humanidade conseguisse digitalizar mentes, seu cérebro poderia ser colocado em uma máquina – preferencialmente com um corpo semelhante ao seu – para que você “voltasse à vida”. Isso, segundo o MIT Tech review, é o que a empresa Nectome promete. O único problema é que o método para fazer isso, segundo a empresa, é “100% fatal”.

A Nectome foi uma das empresas selecionadas pela aceleradora de startups Y Combinator, famosa por investir em ideias ousadas. Da aceleradora, a empresa ganhou US$ 120 mil em investimento e três meses de mentoria. Fora isso, eles já ganharam também um investimento de US$ 960 mil do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos para “preservar em escala nanométrica” cérebros humanos – o investimento federal prevê a “oportunidade comercial de oferecer preservação cerebral” como um serviço.

Finalmente, a empresa ganhou também um prêmio de US$ 80 mil da Brain Preservation Foundation dos Estados Unidos. O prêmio foi para Greg Fahy e para Robert McIntyre, este último um dos fundadores da Netcome, por seu trabalho na preservação de um cérebro de porco. O cérebro, de acordo com a fundação, foi tão bem preservado que cada sinapse dele podia ser observada com um microscópio eletrônico. Portanto, ao que tudo indica, a empresa é bastante séria em sua proposta.

O produto

Por ora, a empresa ainda não está vendendo o serviço de fazer “upload” do seu cérebro. O que eles oferecem é uma tecnologia de ponta de preservação cerebral – assim, se algum dia esse upload for possível, seu cérebro estará pronto. Seguindo o exemplo da Tesla, que vende seus produtos num esquema de “lista de reserva”, a Netcome abriu uma lista para seu serviço de preservação cerebral – pessoas interessadas em morrer e ter seu cérebro preservado podem pagar US$ 10 mil para entrar nela.

Mesmo com a natureza fatal do serviço, 25 pessoas já pagaram o adiantamento – que, segundo a Nectome, é totalmente ressarcível caso a pessoa mude de ideia. Uma delas é Sam Altman, um investidor de 32 anos que é justamente um dos criadores do programa de aceleração da Y Combinator. Em entrevista ao MIT Tech Review, Altman diz crer que a digitalização cerebral será realidade ainda durante nossa geração. “Presumo que meu cérebro será arquivado na nuvem”, disse.

Naturalmente, um serviço desse tipo gera preocupações legais. Mas advogados consultados pela empresa afirmaram que o procedimento é permitido segundo a legislação da Califórnia, que autoriza o suicídio assistido por médicos em casos de doenças terminais. Trata-se de um ponto importante não apenas para evitar acusações criminais mas também porque o processo de preservação do cérebro precisa ser iniciado imediatamente após a morte para dar certo.

Testes

Quando o paciente morre – ou decide morrer – a Nectome usa uma máquina para substituir o sangue dele por um conjunto de fluidos químicos de embalsamamento. “Você pode pensar no que fazemos como uma forma de embalsamamento que perserva não só os detalhes externos como também os internos”, diz McIntyre. Os fluidos são associados a técnicas de criogenia (manutenção da vida a temperaturas baixas) num processo chamado de “criopreservação estabilizada por aldeído” para preservar tanto quanto possível os órgãos do paciente.

Além do porco que rendeu um prêmio ao co-fundador da empresa, o procedimento já foi testado também no cadáver de uma mulher recém-falecida que McIntyre e seu sócio Michael McCanna compraram de uma empresa de doação de corpos para a ciência de Portland. Fineas Lupeiu, o fundador da empresa que lhes vendeu o corpo, não divulgou a idade ou a causa da morte da mulher – nem o preço que cobrou pelo cadáver.

Ken Hayworth, o presidente da Brain Preservation Foundation (Fundação de Preservação Cerebral) acredita que a técnica da Nectome é válida. Mesmo que a pessoa morra, a preservação cerebral poderia trazê-la de volta a vida eventualmente, diz. “É como se o seu computador estiver desligado – isso não significa que a informação não está nele”, considera.

O segredo para o sucesso do procedimento, acredita Hayworth, seria fazer um mapa do conectoma – a parte do cérebro que mapeia a ligação entre os neurônios. Seria um processo incrivelmente complexo e atualmente impossível, mas que eventualmente pode se tornar realidade. Hayworth apenas teme que a empresa comece a vender seu produto antes de que “a comunidade ética e médica possa ter uma discussão completa” sobre ele. “Pode parecer que você está incentivando alguém a se matar para preservar seu cérebro”, diz.

Oposição

Trata-se de uma discussão importante, porque nem todos na comunidade médica apoiam a ideia da Nectome. Michael Hendricks, por exemplo, um neurocirurgião da Universidade McGill ouvido pelo MIT, considera que a ideia de fazer upload do próprio cérebro para outro corpo no futuro é “abjetamente falsa”.

Revisando o site da Nectome, Hendricks disse esperar que “as pessoas do futuro tenham nojo de pensar que no século 21 as pessoas mais ricas e confortáveis da história gastaram seu dinheiro e recursos tentando viver para sempre nas costas de seus descendentes”. O neurocirurgião acredita que legar nossos cérebros às pessoas do futuro é algo “comicamente arrogante”.

“Já não estamos deixando problemas suficientes para eles [a geração futura]?”, se questionou Hendricks, que de acordo com o MIT teve dificuldade em levar a empresa a sério. “É uma piada, não é? Eles são como personagens malvados de desenhos animados”, afirmou.  McIntyre, por sua vez, continua confiante em seu projeto. “Acredito sim que preservação cerebral tem um potencial comercial deslumbrante”, diz.

Colaboração para o Olhar Digital

Redação é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital