I.A. e uma rede social abandonada: os segredos do Google Fotos

Redação03/11/2017 20h14, atualizada em 04/11/2017 16h00

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Google Fotos é um dos aplicativos mais famosos e usados da gigante de buscas norte-americana. O app já é pré-instalado em quase todo novo smartphone Android do mercado e tem mais de 500 milhões de usuários ativos todos os meses, o que é basicamente o mesmo número de pessoas usando uma máquina com Windows 10 em todo o mundo.

Mas nem todo mundo conhece os segredos e a origem deste app, feito para organizar e armazenar em nuvem as fotos tiradas pelo usuário. Aravind Krishnaswamy é diretor de engenharia do Google Fotos e, numa entrevista exclusiva ao Olhar Digital, revelou alguns dos detalhes por trás de um dos serviços mais famosos do Google.

O Google Fotos foi anunciado em maio de 2015. Na ocasião, o público do Google I/O – conferência anual para desenvolvedores do Google – rompeu-se em palmas e assovios quando Anil Sabharwal, chefe da divisão Fotos, revelou que o aplicativo faria “o backup ilimitado de todas as suas fotos e vídeos em alta qualidade e de graça”.

Desde aquele momento, o Google já vinha com o discurso pronto de que o Fotos foi criado com três ideias principais em mente: o app deveria ser “um lar para todas as suas fotos e vídeos”, deveria “te ajudar a organizar e trazer momentos à vida” e “facilitar que você compartilhe e salve o que importa”.

Esses três pilares permanecem no discurso de Aravind, mais de dois anos após aquele anúncio. Aravind estava na plateia naquele dia e não tomou o palco, mas seu trabalho com o Google Fotos já vinha desde antes daquela época. Ele era responsável pela organização de fotos dentro da rede social Google+ e tinha já uma longa carreira como fotógrafo profissional.

O Google+ foi anunciado em 2011 como a resposta do Google para o Facebook, Twitter e outras redes sociais que cresciam a passos largos – não sem alguma polêmica, como a veiculação obrigatória entre a rede e outros serviços do Google. Como revela Aravind, foi dali que surgiu o Google Fotos. “Muito do que o app é hoje vem do recurso ‘Fotos’ que existia dentro do Google+ há alguns anos.”

“Muitas pessoas não entendiam como funcionava a rede social separadamente desse produto ‘Fotos’ que nós estávamos desenvolvendo dentro dela. Foi aí que percebemos que nós tínhamos que separar essas coisas, e realmente focar num aplicativo de fotos pessoais”, conta Aravind. A aposta pareceu certeira, já que o Google+ nunca decolou em termos de número de usuários como o Google Fotos.

Inteligência artificial

Sustentando esses três pilares – armazenamento, organização e compartilhamento – está a principal ferramenta de trabalho do Google: inteligência artificial. O Fotos possui um sistema de reconhecimento de imagem e diversos algoritmos de machine learning que tornam o aplicativo inteligente o bastante para reconhecer do que se trata cada foto e vídeo armazenado nele.

Aravind se nega a dar detalhes muito específicos sobre como funcionam esses algoritmos porque, afinal de contas, são segredo da empresa. Mas explica alguns dos pontos mais gerais da tecnologia. “A filosofia que nós tomamos com o Google Fotos foi a de pensar: ‘como seria se cada um de nós tivesse um assistente pessoal que gerenciasse todas as nossas fotos para nós? O que essa pessoa faria?’.”, questiona o executivo.

Um exemplo de como funciona a inteligência artificial do Fotos é a barra de buscas. Experimente, no aplicativo do seu celular, digitar o seguinte termo de pesquisa: “camiseta vermelha”. O app vai trazer para você todas as fotos em que alguém aparece vestindo uma camiseta vermelha, sem que você precise colocar uma descrição ou inserir qualquer comando para que ele saiba disso. O sistema simplesmente reconhece camisetas vermelhas ou qualquer outra coisa, como carros ou um arco-íris.

Reprodução

O mesmo vale para o reconhecimento facial. O Fotos é capaz de agrupar imagens que contenham um rosto semelhante, permitindo que você dê um nome a essa pessoa e a encontre na sua galeria apenas digitando seu nome. A tecnologia é inteligente o bastante até para reconhecer a mesma pessoa com diferentes características, com ou sem barba, com ou sem óculos, e até em diferentes fases da vida, da infância à idade adulta.

Mas, para Aravind, isso é só uma pequena parte do desafio. “No nível mais simples, nós temos uma rede neural baseada em deep learning que consegue olhar para uma foto e dizer, em palavras, o que existe naquela foto. Nós temos modelos treinados para dizer se nesta foto tem um céu, ou tem uma árvore ou um bolo de aniversário. Mas dizer se nesta foto há um bolo de aniversário não é útil para o usuário. O que você realmente quer é que o modelo entenda que aquela foto e as fotos em torno dela foram de uma festa de aniversário.”

Fazer com que a máquina que opera o Google Fotos entenda esse contexto e seja capaz de reconhecer momentos mais do que objetos é o desafio de Aravind e sua equipe. Atualmente, porém, o machine learning que opera o app não tira proveito da experiência do usuário. O sistema é todo pré-programado, não aprende com o uso diário a ficar mais inteligente. Mas esta não é uma ideia fora do horizonte de possibilidades, segundo Aravind.

E a privacidade?

Mais de 1,2 bilhão de arquivos (fotos e vídeos) são salvos pelo Google Fotos todos os dias no mundo. Após um ano no mercado, o app já havia salvo quase 13,7 petabyes – 13 mil vezes de um terabyte – de informação nos servidores do Google. É tanta informação que a empresa até sabe identificar perfis de usuários. Os brasileiros, por exemplo, têm uma predileção por fotos de comidas, praias e por selfies.

Tanta informação nas mãos do Google pode parecer assustador. Afinal, o Fotos é só mais um dos meios que a empresa possui de coletar dados dos usuários. Sua atividade no navegador Chrome e em smartphones Android já oferecem uma amostra considerável dos seus hábitos diários. Isso sem falar no que você faz no Gmail, YouTube, Google Docs e outros produtos da empresa.

Talvez o mais assustador de tudo isso seja o fato de que todas essas ferramentas são gratuitas. O usuário não paga nada para armazenar infinitamente e em alta qualidade todas as suas fotos e vídeos nos servidores do Google. O que a empresa ganha com isso, afinal? E quais são as chances de um programador na Califórnia estar vendo as fotos do meu arquivo num computador da companhia?

Reprodução

Estas são perguntas da quais Aravind tenta se esquivar com respostas prontas. “Nenhum ser humano no Google tem acesso a qualquer um desses dados privados do usuário”, garante o executivo, explicando que é muito mais eficiente deixar robôs lidando com conjuntos de metadados – informações imprecisas e genéricas sobre as fotos, como, por exemplo, a presença de um bolo de aniversário numa imagem – do que colocar pessoas reais lidando com tudo isso.

Sobre o que o Google tem a ganhar, Aravind se limita a dizer que a empresa “não pensa nisso” ao desenvolver um produto como o Fotos e que está mais preocupada em solucionar um problema dos usuários – no caso, organizar suas fotos e vídeos. O que a empresa não diz com todas as letras, mas que fica óbvio ao se olhar os números, é o quanto todas essas ferramentas gratuitas enriquecem seu principal negócio: publicidade.

No terceiro trimestre deste ano, a Alphabet – organização que é dona do Google e de outras empresas adjacentes – registrou receita de US$ 27,7 bilhões e lucro líquido de US$ 7,7 bilhões. De onde veio todo esse dinheiro? De acordo com o relatório fiscal da companhia, só o departamento de anúncios do Google rendeu US$ 24 bilhões aos cofres do conglomerado.

A plataforma de anúncios do Google funciona de forma simples: uma empresa paga ao Google para que ele mostre sua propaganda ao maior número de pessoas potencialmente interessadas possível. Quanto mais o Google sabe sobre uma pessoa, mais chances ele tem de mostrar a ela um anúncio que a interesse. Saber que os brasileiros gostam tanto de praias indica que é para os brasileiros que o Google deve mostrar anúncios de pacotes de turismo, por exemplo.

Dessa forma, o Google pode colocar o preço que quiser em sua plataforma de anúncios. Afinal, poucas empresas do mundo sabem mais sobre a sua vida e sobre o que te interessa do que o Google. É por isso que apps como o Google Fotos são grátis mesmo sendo tão eficientes: a empresa quer que você use o app ao máximo, para assim coletar o maior número possível de metadados sobre você. O Google, porém, garante que o Fotos é um dos raros casos de serviço que não gera insights de publicidade e não é monetizado de maneira alguma – pelo menos por enquanto.

No Fotos ou em qualquer outro aplicativo, entretanto, é possível configurar o volume de informações que são entregues ao Google. Na página myaccount.google.com, você pode apagar dados sobre seu histórico de uso e determinar quais deles você quer e quais você não quer compartilhar com a empresa. O custo disso é ficar sem acesso às melhores funções que a inteligência artificial de produtos como o Fotos podem proporcionar. Mas no mundo da publicidade e propaganda, diz-se que “se você não paga pela mercadoria, então a mercadoria é você”.

[Atualizado às 15h20 de 6 de novembro para incluir a informação de que o Google Fotos não gera insights de publicidade para o Google]

Colaboração para o Olhar Digital

Redação é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital