A partir do ano que vem, a empresa farmacêutica estadunidense Synlogic pretende começar a testar uma pílula contendo bactérias criadas sob medida para combater uma doença rara do metabolismo. O código genético das bactérias foi desenvolvido apenas para tratar dessa doença específica.

Os pacientes afetados têm dificuldade em processar nitrogênio em seu sistema digestivo. Normalmente, o nitrogênio que resta da digestão de proteínas é transformado em ureia e eliminado na urina. No entanto, as pessoas com essa doença não conseguem realizar tal processo de forma suficientemente rápida; com isso, o nitrogênio acaba se acumulando na forma de amônia em seus corpos.

NH3, o composto químico conhecido como amônia, é tóxico. Em quantidades suficientes, ele pode até matar. Mesmo em quantidades menores, ele ainda é capaz de provocar delírios e causar comportamentos agressivos. A bactéria desenvolvida pela Synlogic, ao chegar no estômago do paciente, consegue absorver a amônia e transformá-la em um aminoácido inofensivo. Cada pílula conteria cerca de 100 bilhões de bactérias, segundo a empresa.

Bióticos sintéticos

Ingerir pílulas contendo bactérias não é, de todo, uma ideia terapêutica nova. de acordo com o MIT Technology Review, a vacina contra tuberculose é feita com bactérias enfraquecidas, e o mercado de probióticos (pílulas e alimentos que contêm bactérias intestinais saudáveis) dos EUA movimenta um total de US$ 3,5 bilhões.

Entretanto, a novidade é que essas bactérias foram criadas em laboratório. Trata-se de um ramo novo da medicina que é chamado pelos fundadores da Synlogic de “bióticos sintéticos”: a criação de bactérias feitas sob medida para tratar determinadas doenças ou realizar funções orgânicas que algumas pessoas não conseguem por causa de doenças ou problemas genéticos. 

James Collins, um dos fundadores da Synlogic e professor do MIT, foi um dos pioneiros nesse ramo. No ano 2000, ele criou uma bactéria com um gene que conseguia alternar entre dois estados. Em determinadas condições, a bacteria adquiria uma função específica; fora dessas condições, ela agia normalmente. Essa criação abria a porta para o ramo terapêutico em que a Synlogic pretende atuar.

Desafios

Segundo a Thayer Pharmaceuticals, uma empresa interessada no ramo, cerca de oito a dez bactérias desse tipo estão à espera de autorização da FDA (Food and Drug Administration, o órgão regulador de alimentos e remédios dos EUA) para iniciar testes. No entanto, além dos tradicionais obstáculos regulatórios da FDA, é possível que algumas das bactérias também precisem da aprovação de órgãos regulatórios do meio ambiente.

Isso porque as bactérias geneticamente modificadas poderiam, em muitos casos, continuar a existir fora dos organismos dos pacientes. Caso isso aconteça, elas poderiam interferir nos ecossistemas de outras bactérias, provocando um desequilíbrio biológico com consequências imprevisíveis. Há ainda o risco de que a bactéria criada em laboratório troque DNA com outras bactérias, perpetuando sua mutação e apresentando um risco biológico, também.

Outros usos

Processamento de nitrogênio não é o único uso que os bióticos sintéticos podem ter. A Thayer Pharmaceuticals, por exemplo, está tentando criar uma bactéria que digere fenilalanina. A ideia da empresa é criar um pozinho contendo a bactéria que poderia ser jogado sobre alimentos que contêm fenilalanina (como leite, nozes e refrigerantes dietéticos). Dessa forma, pessoas com intolerância a esse composto poderiam consumir tais alimentos.

Fora isso, a Ernst Pharmaceuticals, uma empresa europeia, pretende combater diversos tipos de câncer usando uma versão geneticamente modificada da Salmonela, uma bactéria conhecida por causar infecções alimentares. A Salmonela costuma se aglomerar em torno de tumores; por isso, os cientistas da Ernst acreditam que seria possível usá-las para aplicar remédios contra o câncer que são tóxicos demais para serem administrados de outra maneira.