Os 40 anos de Apocalipse Now foram saudados nos quatro cantos da mídia de forma justa. Muito se repetiu sobre as inúmeras dificuldades nas filmagens e de como Coppola só não faliu porque o filme teve sucesso, embora não tanto quanto se pensa. 

Muito se disse também do reencontro com Marlon Brando, após O Poderoso Chefão (1972) e de seu personagem, o coronel Kurtz, que enlouquece e monta uma espécie de seita no meio da floresta asiática, colocando-se no lugar de uma divindade.

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Acontece que não é loucura. É hiperlucidez. É quando a lucidez é tanta que se assemelha a loucura. No meio da guerra, a única lógica possível é a de Kurtz, em que se pode cortar uma cabeça e jogá-la no colo de uma outra pessoa. O personagem de Martin Sheen fica assustado, nós ficamos assustados. Mas o que é mais assustador do que uma guerra? Pior: uma guerra em que um império capitalista sacrifica a vida de jovens (principalmente negros e índios) quase que por capricho, pois há muito se percebeu que era impossível vencê-la.

Coppola nos mostra o horror da guerra e a lógica da destruição que domina o mundo de maneira cíclica, doentia. Tudo é corroído, nada mais faz sentido. Que ator poderia encarnar melhor esse sentimento do que Marlon Brando? 

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Louco, por sinal, é o personagem de Robert Duvall, Tenente-Coronel Killgore, aquele que gosta de sentir o cheiro de napalm pela manhã. Ele é a guerra, a destruição, enquanto Kurtz já ultrapassou esse estágio. Porque um mundo que precisa de guerra é um mundo sem Deus, e num mundo sem Deus alguém surgirá para ocupar esse papel. Esse é o evangelho de Kurtz. Um evangelho do mal.

O mal-estar da sociedade americana já tinha passado por estágios mais duros. A América estava preparada para acelerar a cicatrização de suas feridas. Vários filmes sobre a Guerra do Vietnã surgiram em 1977 e 1978, com destaque para A Outra Face da Violência, de John Flynn, para o vencedor do Oscar de melhor filme, O Franco Atirador, de Michael Cimino, e para Amargo Regresso, de Hal Ashby. Coppola surge para encerrar esse primeiro ciclo de acerto de contas com o fracasso militar americano. Um novo e enorme ciclo surgiria na segunda metade da década de 1980 (Platoon, Nascido para Matar, Nascido em 4 de Julho, entre outros), mas não tinha a mesma força. 

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Apocalipse Now, ou, como escreveu o brasileiro Glauber Rocha, que o critica duramente, “Apocoppolakalypse”, se não foi o melhor de todos os filmes sobre o Vietnã (posto que cabe a O Franco Atirador), foi certamente o mais louco. Ou melhor, o mais lúcido.

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