A diretora belga Agnès Varda (1928-2019) foi uma das mais importantes do cinema na França, onde sempre trabalhou. Nos últimos anos, ganhou merecida notoriedade entre o público mais antenado por seus filmes sempre inventivos e modernos. Deixou-nos em março deste ano, após mais um trabalho autobiográfico fascinante, a série para a TV Varda por Agnès.

O primeiro de seus filmes, contudo, permanece um tanto desprezado, mesmo por alguns cinéfilos que a tem em altíssima conta. É injusto, obviamente,, pois trata-se de uma obra-prima essencial dos anos 1950. La Pointe Courte (1955) é um dos filmes mais importantes para a eclosão da Nouvelle Vague francesa, e está disponível para streaming no Telecine em uma versão restaurada.

publicidade

Na trama, um casal em crise se reencontra numa vila de pescadores. Ele, Philippe Noiret, está cansado da vida fútil e agitada de Paris. Quer ficar na vila onde nasceu, La Pointe Courte. Ela, por outro lado, entende a sua cidade de nascimento, a capital francesa, como o melhor lugar para se desenvolver social e profissionalmente. No meio de tudo isso, detalhes da vida à margem do urbanismo enfurecido do pós-guerra e momentos de pura invenção visual.

Varda é fotógrafa de formação, e mostra um olhar apurado para os detalhes que nos fornecem ricas informações sobre os moradores da vila. É um lado documental muito forte que está presente sobretudo nos primeiros minutos do filme, mas se repete, com maior parcimônia, por toda a duração.

publicidade

Seus movimentos de câmera, que invadem casas e percorrem as tranquilas passagens, fariam escola nos anos seguintes, influenciando diretores como Alain Resnais (montador deste filme) e Chris Marker. E os enquadramentos revelam um olhar simétrico e preciso, capaz de composições visuais riquíssimas.

É também uma diretora muito sensível para o drama humano, os relacionamentos em crise, os menores anseios e titubeios dos personagens. Isso cria um drama bipartido de rara força, onde o sentimental é contraposto pelo documental e vice-versa.

publicidade

Não se espante com o preto e branco e com a data da produção. Esse cinema você não vê a todo momento, nem encontra a cada ano. É o tipo de filme que justifica o pensamento de que o melhor do cinema foi produzido, grosso modo, até os anos 1960.

Varda realiza, já em seu primeiro longa-metragem, uma verdadeira aula de cinema. Vale a pena descobrir esta pérola de juventude dessa grande cineasta.

publicidade

Sérgio Alpendre