Phil Spencer assumiu o papel de responsável pela divisão Xbox dentro da Microsoft em 2014, um ano após o lançamento do Xbox One. Desde então, o executivo vem tentando corrigir algumas das decisões polêmicas de seu antecessor e que acabaram fazendo com que o console largasse com atraso na corrida pela atual geração de consoles.

Foi sob o comando de Spencer que o Xbox One ganhou retrocompatibilidade com o Xbox 360, ganhou uma versão menor e ligeiramente melhor, o Xbox One S; e, agora, um upgrade de hardware chamado Xbox One X, o console mais poderoso do mundo. É ele quem comanda os principais anúncios da empresa na área de jogos e é o rosto oficial do Xbox no mundo todo.

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Phil Spencer compareceu nesta semana à Brasil Game Show, maior evento de games da América Latina realizado em São Paulo pelo décimo ano consecutivo. Em uma entrevista a portas fechadas concedida ao Olhar Digital, o executivo falou sobre o Xbox One X e confirmou o que ele mesmo há havia dito antes: o console chega ao Brasil até o fim do ano – ainda sem data definida. Também comentou o histórico do console desde o seu lançamento e o futuro da indústria dos games.

Confira a entrevista abaixo. Alguns trechos foram editados para dar mais clareza ao texto.

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Olhar Digital: A grande novidade da Microsoft neste ano é o Xbox One X. Mas o modelo padrão do Xbox no momento é o Xbox One S. Existe chance de o Xbox One X se tornar o padrão no futuro? E, se sim, o que acontece com a atual divisão entre gerações de consoles?

Phil Spencer: Este não é o nosso objetivo. O nosso objetivo é ter uma família de dispositivos no mercado. O Xbox One S é o nosso console movido pelo custo-benefício, acessível, roda todos os jogos que o X roda, possui retrocompatibilidade etc. O Xbox One X foi criado para ser o console mais poderoso já feito, um console criado para rodar games em 4K de verdade, HDR, e tirar vantagem disso do jeito que o desenvolvedor quiser. Ter essa família de produtos permite ao jogador escolher o quanto ele quer investir.

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Mas muita gente define uma geração de consoles a partir de um upgrade de hardware. E o Xbox One X já está à frente dos consoles desta geração em termos de hardware. O que isso significa para o ciclo de gerações da indústria hoje?

PS: Eu acho que a noção tradicional do que é uma “geração” está passando por uma mudança. Na minha mente, gerações sempre foram definidas por um novo hardware que não roda jogos de gerações passadas. Só roda os jogos da geração nova. Mas se você vê o que estamos fazendo com o Xbox One X, é similar ao que a Sony está fazendo com o PlayStation 4 Pro. São upgrades. O Xbox One X é um console 4K que roda jogos do S, permitindo que os desenvolvedores façam versões melhoradas de seus jogos. Já temos 130 jogos fazendo isso. O que eu acho é que, com o tempo, essa noção do que é uma geração de consoles vai, provavelmente, mudar de alguma forma. Não posso prever o futuro e dizer exatamente como vai ser, mas acho que essa definição vai mudar.

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Muitas pessoas criticaram o fato de que não há muitos títulos de grandes empresas, com gráficos fotorrealistas e que sejam exclusivos para o Xbox One X. Foi de propósito ou vocês tentaram trazer esse tipo de jogo para o console e não deu certo?

PS: Sabe, as pessoas adoram ter mais jogos para jogar. Eu aprecio isso. Eu acho que temos uma ótima linha de games [chegando ao Xbox One X] e nós sempre podemos trazer mais. Estamos de olho em mais jogos para investir, mais estúdios, eu sei que isso é importante. Mas nossa linha para este fim de ano, eu me sinto muito bem com ela. “Cuphead” não tem gráficos fotorrealistas, não estava tentando ser todos os jogos para todas as pessoas. Mas é um jogo muito bem feito, um estilo de arte e de música incrível, um jogo incrível que está vendendo incrivelmente bem.

Eu acho que nós não deveríamos pensar em games como “eu preciso que ele seja single-player, fotorrealista, para maiores de idade, esse é o único tipo de jogo que eu quero, então vá fazer um desses para mim”. Você precisa dar aos criadores a liberdade para que eles encontrem os jogos certos. Há games incríveis com um visual como o de “Minecraft” e você tem games como “PUBG”, como “Cuphead” ou como “Forza Motorsport”, que é muito fotorrealista. E todos esses jogos podem fazer sucesso.

Falando em “Cuphead”, o jogo tem sido um sucesso. Você me diz que ele está vendendo bem, os comentários têm sido positivos, as críticas têm sido positivas. O que a equipe por trás de “Cuphead” fez certo que a equipe de “Scalebound”, um título exclusivo que foi cancelado recentemente, fez errado?

PS: [Risos] Fazer games é uma forma de arte. Acho que é a arte mais difícil e mais criativa que existe, porque… é arte misturada com música, misturado com design interativo… É uma forma de mídia em que o jogador realmente tem controle sobre parte do que acontece na tela, o que não ocorre na TV ou no cinema. O que deu certo e o que deu errado na criação de arte, sabe… não existe matemática na criação de ótimos games. Eu acho que quando as pessoas tentam transformar a criação de jogos em uma planilha, um exercício de “esse gênero faz sucesso, neste cenário, neste preço, com esse criativo”, isso… no longo prazo, isso fracassa. Porque gamers estão sempre procurando por coisas novas.

O que “Cuphead” fez certo foi que ele não era igual a nada que já tínhamos visto. Eles desenharam a mão cada quadro da animação, isso é loucura! Quem faz isso? Eles correram um risco criativo e conseguiram entregar. Na arte de fazer jogos, às vezes isso funciona, às vezes não. Mas isso é o que é legal na criação de games.

Você se arrepende de alguma coisa no histórico do Xbox One desde o lançamento? Algo que vocês fizeram ou deixaram de fazer?

PS: Eu não sou uma pessoa de arrependimentos. Eu não funciono desse jeito. Mas quando eu vejo coisas que estão funcionando muito bem para nós, eu sempre penso “por que não fizemos isso antes?”. Como Game Pass, que lançamos no Brasil há um mês, por R$ 29,90 você tem acesso a 100 jogos. É incrível ver quantas pessoas estão assinando o Game Pass, é um sucesso incrível, aqui no Brasil e em outros lugares. Eu penso que nós deveríamos ter feito isso antes, já que faz tanto sucesso. Mas eu não funciono na base do arrependimento.

A comunidade de jogos online é extremamente tóxica. Muitas mulheres sofrem todo tipo de assédio e perseguição jogando online. Muitos estrangeiros, quando entram numa sala com pessoas dos EUA ou de outros países, também não são bem-vindos. Isso é um problema em toda a indústria de jogos, seja nos consoles ou no PC. O que você acha que a indústria deve fazer, especialmente vocês do Xbox, para acabar com essa toxicidade?

PS: A segurança online, o controle de com quem eu jogo e com quem eu falo, é muito importante para nós da Microsoft, não só no Xbox. Nós temos tecnologias em uso, mas não quero fazer disso uma discussão sobre tecnologia. Eu penso que nós permitimos às pessoas selecionar com quem elas falam e com quem elas jogam. Se você é um pai e tem filhos online, especialmente neste cenário, temos controles parentais. Temos há dois anos o Xbox Live Clubs, que permite às pessoas criar suas próprias comunidades de pessoas com quem elas querem interagir online.

Em um nível, você precisa olhar para a comunidade em geral, e nós tomamos com muita importância a segurança e a proteção da nossa comunidade online. E depois damos à você, como jogador, o controle para escolher com quem jogar. E eu tenho orgulho do trabalho que fizemos em relação a isso, acho que é um trabalho de primeira classe. Mas há sempre mais a ser feito.

Mas se você quiser jogar com todo mundo, se quiser entrar numa “arena”, conhecer pessoas… é muito ruim, se você for uma mulher ou um estrangeiro. Vocês têm um sistema de denúncia, em que se denuncia uma pessoa que tem sido tóxica. Mas isso é tudo o que pode ser feito?

PS: Há dois níveis. Você, como jogador, como alguém na nossa rede, tem os controles que você tem. Você pode denunciar uma pessoa, pode denunciar uma mensagem específica. Nós temos um sistema de reputação que rastreia o jogador. Nós não deixamos você destruir uma conta e criar de novo, não deixamos você constantemente trocar sua GamerTag. Essas são as coisas que fazemos num nível mais abrangente.

Dentro do programa, nós estamos usando algoritmos de machine learning, inteligência artificial, para observar o que está acontecendo online e garantir que possamos pegar as coisas antes que elas cheguem até você. Isso é uma vantagem da Microsoft, sendo uma empresa de nuvem, de machine learning. Fazemos um trabalho de primeira classe nisso. Mas nunca vai ser perfeito. O sistema de reputação, o time de segurança que temos, e a inteligência artificial que nós usamos são importantes.

Nós nos acostumamos a acompanhar a evolução da indústria através dos gráficos, com os jogos ficando cada vez mais realistas. Mas então chegamos a “Cuphead”, que não é nada realista, mas é um jogo de última geração. Você acha que estamos chegando a um limite do que é possível fazer em termos de gráficos?

PS: Eu acho que dar as melhores ferramentas nas mãos dos criadores dá a ales a liberdade para construir o que eles quiserem. O que nós vemos com games 4K de verdade, como “Forza Motorsport”, é uma sensação de imersão que você só consegue com uma reprodução nativa em 4K, HDR, de um game rodando a 60 quadros por segundo. Você sente que você está dirigindo aquele carro. É o que aquele jogo está tentando fazer, uma simulação de corrida. “Cuphead” está tentando fazer outra coisa, ele quer aproveitar o poder [do hardware] para criar um estilo, uma sensação, que não tem a ver com simulação, tem a ver com antigos desenhos e quadrinhos de muitas décadas atrás.

Dar aos desenvolvedores as ferramentas para que eles possam ir e criar games 4K, realistas, que dão essa sensação de imersão, ou criar uma coisa completamente nova, como “Minecraft”, ou “Cuphead” ou o novo “Zelda”… você dá a eles as ferramentas e eles vão em direções diferentes. Nosso objetivo é continuar construindo tecnologias e inovações para que os criadores possam criar os melhores games. E você não pode definir o que “o melhor game” significa. O melhor game é o game que você mais ama.